LUÍS MIGUEL F. HENRIQUES
A ARENGA MILITAR FEMININA NA HISTORIOGRAFIA PORTUGUESA QUINHENTISTA
The Female
Military Speech in the Portuguese
Historiography of the XVIth. Century
ABSTRACT: This paper examines how sixteenth century Portuguese historiography adapted a type of discourse that already had some examples in Roman historiography:
the female military harangue.
In particular, we identify the narrative
contexts which favour its occurrence, its discursive typology and most recurrent
argumentative topics
and their relationship to the previous rhetorical tradition and also to the coeval historical framework. Finally,
we also verify the functions
that these discourses play in the historical works to which they belong. The protagonists of these speeches
are the women of Diu, who, in the sieges of 1538 and 1546, helped by work and words of encouragement, to defeat the attacks of the Turks to that citadel. How the Portuguese were looked at by the "Other" in the elaborate harangue of the queen of Ternate,
clear example of the assimilation of military rhetoric by the Renaissance Portuguese historians, is considered.
KEY WORDS: Military harangue; female discourse, Portugal, sixteenth century; rhetorica, historiography.
RESUMEN: Este artigo analisa o modo como a historiografia portuguesa do século XVI adaptou
um tipo de discurso que contava
já com alguns exemplos
na historiografia romana: a arenga militar feminina.
Em particular, são identificados os contextos narrativos que favorecem
a sua ocorrência, a sua tipologia discursiva, bem como os tópicos argumentativos mais recorrentes e a sua relação com a tradição retórica prévia e também com a envolvência histórica coeva. Finalmente, são ainda apuradas as funções
que estes discursos
desempenham nas obras históricas em que estão inseridos. Protagonistas destas alocuções são as mulheres de Diu, que, nos cercos de 1538 e 1546, ajudaram,
com trabalhos e palavras
de incentivo, a desbaratar os ataques
turcos àquela cidadela. Destaque
ainda para o olhar dos outros sobre
os
portugueses, na extensa
e elaborada arenga da rainha
de Ternate, exemplum claro da assimilação da retórica
militar por parte dos historiadores portugueses renascentistas.
PALAVRAS-CHAVE: Arenga militar; discurso feminino, Portugal, século XVI, retórica: historiografia.
Fecha de Recepción: 15 de junio de 2012.
Fecha de Aceptación: 17 de septiembre de 2012.
1.
Introdução
O TÍTULO DO PRESENTE ARTIGO poderá despertar nos leitores um misto de estranheza e de curiosidade. Na base desta atitude está o facto de a relação das mulheres com a guerra sempre se ter pautado,
ao longa da história, por uma certa “invisibilidade”, só excepcionalmente interrompida por uma participação directa de algumas em conflitos militares. Trata-se sobretudo de mulheres
heroínas, que tomadas de uma inaudita
coragem individual, ousaram desafiar a sua condição “feminina”, pois só ocasionalmente integraram forças ou exércitos organizados. Na verdade,
em quase todas as sociedades, antigas e modernas,
a mulher sempre
foi associada à paz, estereótipo que teve o efeito
de confirmar o seu estatuto de não combatente. Inversamente, a guerra sempre foi uma tarefa masculina, identificando-se o homem com a figura não só do guerreiro, mas do “guerreiro justo”.
Ainda relativamente ao título,
a sua singularidade torna-se ainda mais saliente, quando verificamos que, regra geral, as mulheres
foram igualmente esquecidas pelos historiadores, uma vez que, até bem recentemente, a escrita da história
só se ocupou de conquistas e de revoluções, de estratégias militares e políticas, de batalhas
e de tratados de paz, amplas galerias de heróis,
em que só ocasionalmente figuram as mulheres.
É neste cenário de rarefacção feminina na guerra e na historiografia que maior notoriedade alcançam as protagonistas deste artigo.
Pela sua exemplaridade, estas mulheres
conseguiram captar a atenção
e a admiração dos cronistas portugueses de quinhentos, rendidos não só às suas capacidades beligerantes, mas também retóricas, despertadoras dos ânimos esmorecidos dos combatentes. Neste particular, sobressaem as defensoras de Diu, epíteto que evidencia
o comportamento mobilizador de algumas
mulheres durante os assédios turcos à fortaleza
de Diu em 1538 e 1546. Com as suas curtas
arengas durante
o fragor das pelejas,
desafiando a sorte dos projécteis inimigos, resgataram muitos soldados para a luta, impedindo, desta feita, o assalto turco aos baluartes lusos. No âmbito retórico, há ainda a considerar a extensa arenga de
Njai Tjili, rainha de
Ternate, exortando os seus conselheiros a rebelarem-se contra a presença dos portugueses naquela
ilha.
Ao todo, identificámos onze discursos militares proferidos por mulheres
na historiografia portuguesa de quinhentos, relacionados com acontecimentos bélicos passados
no Oriente. Procuraremos ao longo deste artigo identificar os contextos narrativos em que se
inserem, caracterizar as respectivas oradoras, assim como destacar
os tópicos retóricos mais recorrentes.
2.
À mulher não deu a natureza
o dom de comandar
Este aforismo de Menandro
(157 Jäkel) demonstra
como, no mundo antigo, a subalternidade feminina era uma evidência face ao poder decisório
do homem. Para além desta
referência, encontramos, ainda na
literatura grega, outras semelhantes que confirmam
a visão inferior
e doméstica da mulher. Por exemplo, Iscómaco no Económico de
Xenofonte (7.22-24) enumera as tarefas
bem distintas e complementares de ambos os géneros, declarando que os deuses deram ao homem a resistência física necessária para suportar o frio e o calor, as longas marchas e as expedições militares, enquanto,
à mulher, foi concedida
uma natureza adaptada ao recolhimento do gineceu, às funções
domésticas e à educação
dos filhos:
E uma vez que tanto o
interior e as tarefas
ao ar livre exigem trabalho e atenção, Deus,
desde o primeiro dia, adaptou a natureza
da mulher, penso
eu, para o interior e a do homem para as tarefas
ao ar livre e cuidados.
Porque ele fez o corpo e a mente do homem mais capazes de suportar
frio e calor,
viagens e campanhas, assacou-lhe as tarefas ao ar livre. Para a mulher,
já que ele fez o seu corpo menos capaz de resistência, eu entendo que Deus lhes atribuiu
as tarefas internas.[1]
Porém, se o nosso exame se tornar
mais fino, podemos encontrar aqui e ali, exemplos
de que nem todas as vozes femininas
se terão limitado a um papel de submissão. Plutarco (Moralia 185 d) apresenta um revelador
comentário sobre Temístocles: como general dos Atenienses (os mais poderosos dos helenos),
grande era a sua autoridade,
mas maior ainda era
a que a sua esposa exercia sobre ele, que só o filho de ambos poderia afrontar:
Do seu filho, que dominava a sua mãe, e através
dela sobre si mesmo, disse ele, zombeteiramente, que o menino era o mais poderoso
de todos os helenos:
enquanto os helenos foram comandados pelos atenienses, os atenienses por ele mesmo, ele próprio
pela mãe do menino,
e a mãe pelo seu
filho.[2]
Se o rigor da análise prosseguir, vamos descortinando que a literatura histórica grega
acolhe, a espaços,
casos de mulheres
que não só individualmente tiveram ascendência sobre os respectivos consortes, como também,
através da oratória, dominaram largas assembleias político-militares constituídas por homens,
assim como há exemplos de mulheres
que comandaram exércitos em acérrimas
batalhas. De uma maneira
fugaz, recordaremos, de seguida, algumas dessas heroínas guerreiras.
As Amazonas assumem-se, possivelmente, como o mais conhecido arquétipo de mulheres guerreiras.
Embora os dados concretos sobre a sua existência não
sejam de todo indiscutíveis, o certo é que elas gozam de várias referências em diferentes géneros literários, tanto gregos como romanos, sendo igualmente objecto de representação na arte grega. Ainda que derrotadas nos confrontos com os gregos, seus principais opositores, a eles eram comparadas em coragem
e em destreza militar. Conta-se
que para tornarem
mais fácil o manejo das armas, estas mulheres, que habitavam um estado exclusivamente feminino,[3] removiam um seio (normalmente o direito)
queimando-o ou cortando-o.[4] A equiparação da bravura
destas mulheres à dos homens está bem patente
nas palavras de Príamo a Helena, quando este rememora o dia em que viajou até à Frigia cheia de vinhas e chegaram as Amazonas, iguais dos homens.[5] O mesmo epíteto
volta a ser repetido
na Ilíada, quando Glauco conta a Diomedes
a sua linhagem,
declarando que procede do coríntio
Belerofonte, herói que matou tanto a terrífica Quimera, como abateu as Amazonas, iguais dos homens.[6]
Entre as Amazonas,
sobressai o nome da rainha Pentesileia, filha de Ares, que terá participado na guerra de Tróia como aliada
dos troianos. Quinto de Esmirna, nas Posthoméricas, oferece-nos um retrato
impressivo desta mulher guerreira, desafiando os gregos em combates
sucessivos, vindo apenas a morrer às mãos de Aquiles. O próprio
herói ficou surpreendido com a destreza e a beleza desta mulher, sofrendo
remorsos pela sua morte (1.911 ss.):
E o próprio
coração de Aquiles se oprimiu de remorso
por ter matado algo tão doce, alguém que ele poderia ter carregado para casa, sua noiva majestosa; pois ela não tinha nenhuma mácula, era uma verdadeira filha dos deuses,
divinamente alta e mais divinamente bela.[7]
A matizada descrição da armadura de Pentesileia, orientada para evidenciar a beleza feminina sobre um fundo militar
e varonil, é a todos os títulos notável
e não poderíamos passar sem aqui a incluirmos (1.173 ss.):
Ela ergueu os seus ombros naquela armadura maravilhosamente moldada, oferecida por Ares, deus da guerra. Primeiro amarrou sob os joelhos
de prata brilhante
as grevas douradas, apertando-as sobre os
fortes membros. O seu corpete radiante como o arco-íris
a envolvia e, em volta dos ombros, se dependurava, com glória no seu coração, a extensão
brilhante de uma bainha para a espada feita de marfim e de prata. Em seguida, ergueu o seu esplêndido escudo como nenhum outro na terra (…). Assim ela brilhava
indescritivelmente bela. Então,
colocou na cabeça
o brilhante elmo repuxado
com pêlos dourados de uma égua selvagem.
Assim se ergueu, saltou com a flamejante armadura, assemelhando-se a um raio… Em seguida, passando diante do seu pavilhão com uma pressa calorosa, arrebatou dois dardos com a mão em que levava o escudo
e, com a mão direita,
agarrou com força uma enorme alabarda,
afiada, de lâmina única, dada pela terrível
Éris à filha de Ares, para ser arma titânica na batalha que ceifa as almas dos homens.[8]
Também na Eneida, a mesma heroína captou a atenção
do poeta, que, embevecido, descreve também a beleza
da mulher guerreira, conduzindo os esquadrões das Amazonas
para atacar os Aqueus:
Pentesileia conduz os esquadrões das Amazonas,
com os seus escudos
em forma de lua, plena de furor bélico,
fulgurante no meio de milhares,
atando o cinturão
dourado sob a mama desnudada, aguerrida, a donzela
ousa combater contra homens.[9]
Por seu turno, em Heródoto
encontramos duas rainhas,
insignes estrategas militares, vindas do mundo “bárbaro”. Estas rainhas viúvas ocupam na narrativa
de Heródoto
um lugar axial na prossecução dos acontecimentos, pois os seus avisos assumem
uma dimensão trágica no futuro trágico de Ciro como no de Xerxes.[10] A primeira monarca a surgir em cena é Tómiris,
rainha dos masságetas. Depois de conquistar Babilónia,[11] Ciro prepara
uma campanha para submeter Masságeta. Não cumpre aqui desfiar todas as peripécias que envolveram essa conquista, mas tão-só evidenciar o papel da oponente de Ciro, sobrevalorizado por Heródoto para ombrear
com a grandeza do Imperador
dos Medos e dos Persas.
Depois de um plano de guerra proposto pela soberana
a Ciro, que redundou numa vitória parcial das tropas de Tómiris, os masságetas acabaram por sofrer um massacre
com a tomada de reféns, entre os quais se encontra
Espargapises, filho da rainha.
Embora instando Ciro, a libertá-lo, o jovem toma a decisão de cometer suicídio. É então que a rainha
arma um exército e se apresta
para executar tragicamente o destino
de Ciro. De facto, a chacina persa é completa e nela perece o mesmo Ciro. Para aplacar a sede de vingança pela morte do filho, num episódio
pleno de dramatismo, Tómiris sacia o cadáver de Ciro com sangue, ele que era um homem sôfrego de sacrifícios humanos, de tal maneira que o seu epíteto
era de Ciro, ávido de sangue (1.212). Pelo seu patetismo, vejamos o acto selvagem
de Tómiris:
Tómiris encheu um odre de sangue humano e mandou procurar,
entre os Persas mortos, o cadáver
de Ciro; quando o descobriu, mergulhou-lhe no odre a cabeça
e, enquanto assim ultrajava
o morto, dizia: «Apesar de eu estar viva e ter saído vitoriosa do combate,
tu liquidaste-me no momento em que me capturaste o meu filho numa cilada; mas a ti, sou eu que, para cumprir
a ameaça que te
fiz, te vou saciar de sangue».[12]
Terminada a descrição, Heródoto declara que existem várias versões da morte de Ciro, mas ele tomou esta como a mais credível. Ou
seja, é às mãos de uma
mulher que tomba o poderoso Imperador de Medos e Persas, o conquistador de Babilónia. De facto, em toda esta narrativa, Tómiris eleva-se pela sua segurança, oposta à fraqueza do seu opositor. A indomável vontade imperialista de Ciro não lhe permitiu descortinar a subtileza
verbal de uma mulher.[13]
Tempos depois, eis que o jovem monarca Xerxes se sente compelido a tornar- se igual aos seus antepassados persas.
Vai dilatando as fronteiras do
seu território, até que decide marchar
contra a Hélade, preparando, em simultâneo, forças terrestres e navais, dignas de um déspota oriental. Cabe
a uma aliada
figura real feminina,
a tarefa de chefiar
as naves, chamada
Artemísia, originária de Halicarnaso, tal como Heródoto.
Sobrepôs-se, em habilidades, aos outros chefes militares, nomeadamente pela coragem e pela audácia viril (7. 99), pelo acerto do seu conselho que a conduz aos campos de batalha. Além da virilidade revelada na guerra (8. 87-88) é igualmente valorizada pelo papel retórico
que exerce junto de Xerxes (8. 67-69, 102-103). Ao aproximar-se o combate
naval, Xerxes reúne uma assembleia para saber a opinião dos aliados sobre a iminência
do ataque. Todos se decidem favoravelmente, menos Artemísia, qual voz da razão,
ousa opor-se à maioria,
baseando-se no argumento racional
de que o inimigo
possuía mais homens, defendendo, por isso, uma intervenção apenas terrestre sobre o Peloponeso. Por esta intervenção, se evidencia
o seu pensamento de estratega
militar, ao optar apenas por uma batalha terrestre
face à inferioridade das forças navais persas relativamente às dos atenienses. Admirada por uns e invejada por outros, a sua decisão virá a ser preterida, acabando por se consubstanciar o desastre
de Salamina que ela prognosticara, batalha, aliás, em que comandou
cinco navios.
Todas as heroínas
apresentadas até
agora surgem com qualidades mais próprias dos homens devido ao seu desempenho guerreiro, sendo, certamente, uma forma dos historiadores sublimarem as respectivas actuações.[14] Não cumpre, porém, recordar todas, ou sequer uma parte, das mulheres
que, na Antiguidade, assumiram papéis guerreiros, tradicionalmente executados por homens. Estes curtos exemplos têm apenas a finalidade de demonstrar que algumas
mulheres foram militarmente decisivas em confrontos militares. Embora se deduzam capacidades oratórias nestas heroínas,
requisito necessário para comandarem soldados, a verdade é que nem a
épica nem a historiografia gregas facultam
qualquer arenga proferida por uma mulher.[15]
É na historiografia romana que encontramos os dois primeiros exempla de alocuções militares femininas, ou mais rigorosamente, duas versões da mesma arenga, segundo dois autores distintos: Dião Cássio (H.R. 62.2.5)
e Tácito (Ann. 14.35.1-2), proferida
antes da Batalha de Watling
Street, no
ano
61.[16] Com esta batalha, os romanos
procuravam debelar
a rebelião dos icenos liderados por Boudicca, como retaliação contra as atrocidades cometidas pelos romanos na Britania. Foi, pois, nos momentos
prévios desta decisiva
batalha, que conglomerava dezenas de milhar
de soldados de cada lado, Boudicca arengou às tropas.
Por ser mais breve, optamos
por comentar a arenga inscrita
na obra de Tácito (Ann. 14. 35. 1-2), em detrimento da longa alocução
que nos proporciona Dião Cássio.[17] Ora, o engarce inicial fornece-nos logo informação relevante para a classificação tipológica da sua alocução (Boudicca curru filias prae se vehens, ut quamque nationem accesserat…testabatur), ou seja, movimentando-se num carro, arengava especificamente a cada povo de que se ia acercando, uma vez que seu numeroso exército era uma reunião de diferentes tribos. Do ponto de vista tipológico, trata-se, portanto,
de uma epipólesis prévia à batalha, pois há aqui uma inequívoca presença da fórmula deste tipo de alocução
que congrega um verbo de movimento (curru…accesserat), reforçado pela menção de que a deslocação era feita num carro, bem como por um verbo
de tipo declarativo (testor).[18] Uma nota ainda para o facto de Boudicca transportar no carro as suas duas filhas (filias prae se vehens).
No seu discurso é possível identificar três momentos que correspondem à organização retórica básica. No exordium, a rainha procura captar a vontade dos ouvintes
para aquela causa,
declarando que ainda que eles estivessem habituados a combater
sob as ordens de uma mulher (solitum quidem Britannis feminarum ductu bellare) ela não estava ali por razões materiais
ou honoríficas (regnum et opes), mas tão-só como uma simples
cidadã do povo (verum ut unam e vulgo), vingar a liberdade perdida (libertatem amissam) e vingar a honra perdida das suas filhas ultrajadas (contrectatam filiarum
pudicitiam ulcisci), pois as jovens haviam sido objecto de estupro.
Com esta argumentação, a rainha iguala-se
à condição dos que a ouvem,
pois muitos deles teriam razões similares para se vingarem do jugo romano. Ela não reivindica riquezas, mas justiça.
Estando todos do mesmo lado da barricada, entramos na tractatio
do discurso,
momento em que a rainha procura
instruir o auditório. A sua fundamentação retórica centra-se em torno do topos do
iustum, começando por recordar
toda a espécie de impiedades cometidas pelos inimigos. Em face de tais atrocidades, os deuses oferecem
uma justa vingança (adesse tamen deos iustae vindictae), e para demonstrar esse apoio bem como a decorrente possibilidade de vitória,
Boudicca recorda
vitórias recentes, (cecidisse legionem, quae proelium
ausa sit), enquanto os restantes se escondem
nos seus acampamentos ou estudavam a fuga (ceteros castris
occultari aut fugam circumspicere). E para gerar confiança
nos seus, declara-lhes que os romanos não suportarão nem o estrépito, nem o clamor de tantos milhares
de homens, e menos ainda o seu ímpeto e o dos seus golpes (ne strepitum quidem clamorem tot milium,
nedum impetus et manus perlaturos).
Depois de devidamente instruídos, chegamos à peroratio do discurso,
cuja finalidade é mouere as tropas para
a batalha. O topos empregado é o mais parenético de todos, o ultimum ac maximum telum, assim definido por Tito Lívio, uma vez que é capaz levar os soldados
a alcançar vitórias impossíveis, sempre que se mentalizem de que só na vitória reside a salvação.
Dirigindo-se aos bretões, insta-os, dizendo
que naquele combate é necessário vencer ou morrer
(vincendum illa acie vel cadendum
esse). Encerra o discurso
com uma provocação aos homens, dizendo-lhes que ela, como mulher, estava pronta para a batalha e eles, desejavam
viver ou ser escravos?
(id mulieri
destinatum: viverent viri et servirent).
O tópico da mulher
guerreira, desempenhando um papel tradicionalmente masculino, encontrou também na historiografia medieval um ambiente
propício para a sua continuidade. Um dos autores
desta época é Jean Froissart
(1337-1405), a quem se deve a mais pormenorizada descrição da Batalha
de Aljubarrota, apresenta
nas suas Crónicas, um interessante exemplo
de recepção não só da arenga militar feminina, como de um tipo discursivo cuja origem remonta
à épica homérica,
a epipólesis. Assim, em 1346, integrada na Guerra dos Cem Anos, ocorreu
a batalha de Neville’s Cross entre escoceses e ingleses.
Os primeiros, aproveitando a ausência
do rei, Eduardo III, em campanha
na França, invadiram o norte de Inglaterra com um exército de 12.000 homens. Embora surpreendidos, os ingleses reuniram as tropas possíveis para se oporem aos invasores. Com os exércitos à vista um do outro e na ausência do rei, seu marido, a rainha Philippa
avançou por entre os quatro batalhões ingleses
(The queen now advanced among them, and entreated them),[19] exortando os combatentes a cumprirem
bem o seu dever, na defesa da honra de seu senhor e rei, rogando-lhes ainda que, por amor de Deus, lutassem varonilmente. Do ponto de vista tipológico, estamos diante de uma epipólesis, discurso em que há uma combinação de movimento
com exortação, pois a rainha anima as tropas ao mesmo tempo que se movimenta entre as alas do exército em formatura. Como arquétipo deste tipo de arenga,
temos a longa epipólesis de Agamémnon
no Canto IV da Ilíada, discurso
que acaba por se identificar melhor com o
herói homérico. Foi, certamente, através do poema homérico
ou por meio da sequente
historiografia greco-latina, que Froissart
terá assimilado este tipo de discurso.
De notar ainda que uma das iluminuras que acompanham o texto de Froissart, representa uma distinta mulher montada num cavalo diante do exército em formatura. O texto tem como legenda Queen Philippa
haranguing her troops
before The Battle os Neville’s, facto que nos permite
inferir que esta epipólesis terá sido proferida a cavalo.
Fig. 1 – Iluminura 13 de Froissart
Para além dos nomes das heroínas aqui apresentados, outras há que,[20] desde a Antiguidade até aos nossos dias, ficaram literária ou lendariamente consagrados, como Joana d’Arc,
que, além do epíteto
de guerreira, é tida também como santa e bruxa.
Depois de todos os exemplos
vistos de mulheres
guerreiras e condutoras de homens,
é lícito questionar o conteúdo
do verso de Menandro:
à
mulher não deu a natureza
o dom de comandar?
3.
Heroínas portuguesas quinhentistas e a ars scribendi historiae
Como acabámos de ver, ao chegarmos
ao século XVI, vários são os exemplos de mulheres cuja historiografia europeia havia já distinguido por, em determinado momento, terem ousado ir além do papel que tradicional e culturalmente lhes estava confiado, usurpando, pelo destino ou pelo génio, funções masculinas. Ora, os autores portugueses de quinhentos não ficaram à margem
desse fenómeno pan- europeu
e entreviram a oportunidade de emularem,
particularmente, as mulheres que, de um modo decisivo,
tinham intervindo na defesa da fortaleza de Diu, durante os cercos
de 1538 e de 1546.
Era esta a almejada
ocasião para os historiadores e poetas não só alcandorarem também as mulheres
à categoria dos heróis, galeria em que já figuravam vários homens, como era, sobretudo, a oportunidade para essas mesmas heroínas
superarem todas aquelas cuja historiografia e tradição
tinham já consagrado.
Com efeito, se nas literaturas e história
europeias figuravam exemplos de mulheres guerreiras, para além das já citadas heroínas
de Diu, também
na história portuguesa, até ao século
XVIII, não faltam casos de mulheres de estirpe
bélica, como assegura
uma obra de 1734, intitulada Portugal
illustrado pelo sexo feminino,
noticia historica de muytas heroinas portuguesas, que florescerão em virtude, letras e armas, cujo autor, Diogo de Azevedo,
apresenta uma lista de 49 mulheres
que se notabilizaram pelos feitos de guerra praticados, desde o tempo dos romanos
até ao século XVIII.[21] Depondo a fraqueza
do seu sexo, estas mulheres aparecem na defesa do seu património, na luta contra os castelhanos, nas conquistas ultramarinas,
particularmente nos cercos
infligidos às praças portuguesas em
África e na Índia, assim como
em revoltas populares.
Do ponto de vista estritamente literário, assistimos não só à manifestação, mas sobretudo
à exaltação das virtudes guerreiras destas mulheres,
como forma de sublinhar a excepcionalidade das circunstâncias em que intervieram. As suas participações ocorrem maioritariamente em situações
extremas, de perigo iminente para a independência nacional. A urgência
de actuação sanciona
a eclosão destas personagens e legitima
a transgressão das fronteiras do seu sexo e os códigos na relação
de género: assistimos a mulheres
de ânimos varonis, a mães que sacrificam
os filhos, a mulheres
que suspendem a sua feminilidade para defenderam os mais altos valores
da fé e do império.[22]
De entre esse universo feminino, cumpre, neste momento, focar-nos apenas naquelas mulheres
que a historiografia quinhentista imortalizou, não tanto pelas façanhas alcançadas, mas sobretudo pelas
decisivas exortações militares que produziram no decurso das acções bélicas em que intervieram. Quer num, quer noutro aspecto, à cabeça de todas, encontramos, como já anunciámos, as defensoras de Diu, epíteto
que sintetiza as qualidades de bravura evidenciadas durante os cercos de 1538 e 1546, à cidadela
de Diu, equiparáveis ao valor das mitológicas amazonas.[23] Várias são as referências histórico-literárias coevas
a estas mulheres,
de tal maneira
que alguns
textos se assumem como verdadeiros encómios. Sob este ponto de vista, Leonardo
Nunes escreveu uma das mais admiráveis páginas da historiografia portuguesa, na Crónica
de D. João de Castro. Segundo o cronista,
testemunha dos acontecimentos de Diu, não é por escassez
de feitos, mas sim pela míngua de eloquência e de fecundidade do autor,
que a fama das mulheres
portuguesas não supera a das mulheres
da Antiguidade. Oh! não possuir
a verve de Cícero,
rei da eloquência:
E as virtuosas e varonis
mulheres eram as que sustinham
o serviço de acarretar
terra para os entulhos e de dar panelas de pólvora
aos homens que pelejavam nos muros e de lhes aguar os pés com grandes gameladas de água para que os não abrasasse
o fogo das panelas da pólvora dos mouros, que eram infinitas. E algumas eram às vezes bem chamuscadas e custava-lhes o serviço
muitas chagas do fogo e muitas pedradas
na cabeça e muitas
frechadas nas pernas e nos braços.
E o que de mais admiração era que, assim
feridas e queimadas, não deixavam de servir, até que a fraqueza humana, minguamento das forças, lhes não tolhia, como eu vi em muitas delas. Oh, quem pudera ser tão fecundo e eloquente
como aquele Cícero,
rei da eloquência, para fazer festa a suas honras e louvores e para pôr seu preço e coroa por cima de todas as outras
mulheres, para se calarem
as Sabinas e as do contrário campo de Mário e as persas que que fizeram tornar as bandeiras de Ciro contra os feridos contrários e a mui negativa
Tómiris, porque acharam outras mais esforçadas que elas! E aquela meia tancada
mãe de Nino, que tinha o nome da falsa desculpa do materno
pecado, achara mui gentis e avantajadas companheiras de sua valentia e muito mais virtuosas
que ela. Mas sou tão rude que não ouso de dizer mais, senão que fizeram
serviço digno de ser tido por tal e muito grande de tão bom
rei e senhor como Deus
nos
deu.[24]
Este lamento de Leonardo
Nunes é altamente
significativo, pois revela a concepção que na época se fazia do que devia ser uma obra histórica
e que Damião de Góis sintetizou claramente, ao declarar
que o relato dos feitos dos grandes senhores
“requere alto stylo descrever, grãde ornamento de lingoagem, sotil e discreto artificio rhetorico”.[25] Quer dizer, tal como no passado clássico, também agora no Portugal do Renascimento, a obra histórica
passou a ser entendida
não apenas como um meio de preservar
o passado, mas sobretudo
como uma “composición literaria elevada
y erudita, en la que juegan un papel destacado la retórica y los diferentes procedimentos de imitación
e intertextualidad”.[26]
Efectivamente, com o relato dos feitos históricos, os
historiadores procuravam não só preservá-los da corrupção do tempo, mas também instruírem e deleitarem os leitores
coetâneos, valendo-se, para o efeito,
de certos e determinados mecanismos retóricos, entre os quais se contam as descrições
de batalhas e os discursos pronunciados em contexto
bélico: as arengas militares.
4.
A arenga militar
Objectivamente, podemos, pois, afirmar que, em Portugal, no século XVI, se conjugaram todas as condições favoráveis e propiciadores para que as arengas militares, de diversos tipos, pudessem historiograficamente emergir no seio das narrativas dos feitos. Em primeiro lugar, não escasseou a temática
histórica fundamental, a guerra,
para enquadrar cenicamente a arenga militar.
Em segundo lugar, não faltaram
os historiadores de sólida formação
histórica e humanista, conhecedores da tradição
retórico-literária, enformadora de um discurso tão característico, como a arenga militar.
Alguns desses autores, além da erudição, souberam
ainda cumulativamente tirar partido da experiência
militar havida em África ou no Oriente,
cumprindo o ideal renascentista de terem empunhado, à vez, tanto a espada,
como a pena. Finalmente, em terceiro
lugar, não mingou o ensejo desses historiadores de colocarem
na boca dos protagonistas da época, discursos militares
retoricamente elaborados, num tentativa declarada de os elevar à condição de heróis,
de maneira a poderem ombrear e até superar
os homónimos da Antiguidade clássica, tal como afirma de Leonardo
Nunes, a propósito
das heroínas de Diu.
Por tudo isto, a arenga militar é um dos discursos
mais característicos não só da historiografia, como da épica
portuguesas de quinhentos, sendo ainda possível
confirmar a sua presença na poesia de inspiração neolatina.[27] Onze são as arengas proferidas por emissoras femininas, a maioria
(7) oriundas das Décadas da Ásia de Diogo do Couto, assim como (3) nas Lendas da Índia de Gaspar Correia e ainda (1) no Livro Primeiro do cerco que os Turcos puseram
à fortaleza de Diu de Lopo de Sousa Coutinho.
Comecemos por
fazer um levantamento das expressões que, nos engarces iniciais,
caracterizam directamente estas protagonistas.
4.1.
Caracterização das protagonistas
Várias são as expressões empregadas pelos narradores/historiadores para evidenciarem o comportamento bélico e também retórico destas valorosas
mulheres, nos contextos prévios à inclusão
das respectivas alocuções. Na obra de Diogo do Couto, encontramos os termos técnicos
mais adequados à realidade
militar em que evoluem estas mulheres, sendo colectivamente designadas pelo exercito das matronas[28] ou o pelo esquadrão feminino[29] podendo ainda ser apresentadas como as honradas matronas[30] termo que remete para a história
de Roma, mas também para a condição destas mulheres,
casadas a maioria,
cujos filhos e maridos andavam pelos baluartes da fortaleza combatendo os rumes. Não ficam, porém, todas estas mulheres diluídas sob a massa do colectivo, já que os nomes de algumas
são perfeitamente identificados e consagrados para a posteridade. Uma das mais interventoras era Isabel Fernandes, já velha, que se imiscuía nos epicentros das lutas, exortando
os combatentes portugueses e metendo na boca dos mais fracos,
alguma guloseima que trazia escondida
no seu seio. De igual modo, Isabel da Veiga, casada com hum bacharel de medicina[31] e Anna Fernandes, cujos annos e idades eram já mais pera repouso que pera aquelles trabalhos[32] se metiam no meio dos que pelejam e levantavam as vozes, esforçando todos. Há ainda uma Catarina
Moreira que, vestindo
trajos de homem e com uma chuça nas mãos,
numa tentativa de se confundir com a turba, foi ao
centro da peleja, incentivar os combatentes. Nisto, deram-lhe com uma espingarda nas costas, prostrando-se ao chão. Rapidamente, se levantou, dizendo Non he nada. E se foy curar. Antes desta intervenção de Catarina
Mendes, o narrador/Gaspar Correia faculta-nos uma imagética descrição de uma outra mulher,
que, embora anónima
e turca de nascimento, casara com um português, Rafael Lourenço e lutava, agora, ao lado dos lusíadas contra o seu antigo povo. Ora, esta mulher,
cobrindo-se com as vestes de seu marido e colocando um capacete
na cabeça, sacou de uma lança e de uma espada e se foi ao local onde pelejava
seu marido, exortando
os que ali estavam. Pelo dramatismo da situação
e pelo saboroso da descrição, aqui a transcrevemos:
Huma molher casada com hum Rafael Lourenço,
que primeiro fora turqua, se vestio nos vestidos
de seu marido,
e pôs huma espada na cinta e hum capacete
na cabeça, e com
huma lança nas mãos se foy
ao muro onde estava seu marido, dizendo…[33]
Nomeadas ou anónimas, sobressai em todas o heroísmo
e o voluntarismo que imprimem nas suas intervenções exortativas exaladas todas durante os conflitos militares
ao redor da cidadela
de Diu.
4.2.
Tipologia discursiva
Como acabámos de dizer, todas as alocuções das defensoras de Diu são proferidas no meio
dos
combates. Ora, no corpus cohortationum quinhentista, depois da arenga proferida
diante de uma assembleia de tropas (Tipo 2), o presente tipo de arenga, pronunciada durante o fragor
de uma batalha
(Tipo 5), é o segundo mais frequente
no género historiográfico, atingindo mesmo o primeiro
posto na épica.[34]
Estes dados permitem-nos aduzir que o dramatismo inerente às arengas proferidas durante um
combate seduziu
grandemente tanto os historiadores como os poetas,
partilhando ambos a
finalidade de mouere
e delectare os seus leitores e ouvintes. Com efeito,
a especificidade deste tipo de discurso relativamente aos restantes, prende-se
com o facto de ser pronunciado no momento em que decorre uma batalha, estando, portanto, integrado num episódio
bélico caracterizado pelo dinamismo, pelo dramatismo
e pelo patetismo. Por estas razões, as descrições de batalhas
se tornaram altamente sedutoras para autores antigos e renascentistas, de maneira
que a alocução inserta no meio do recontro guerreiro vem acrescentar tensão dramática a um episódio já de si suficientemente dramático. Neste sentido, este tipo de arenga está intimamente conectada à diegese
que lhe está tanto a montante
como a jusante.
Assim, pois, este tipo de arenga
não pode, como acabámos de dizer, ser dissociado da descrição da batalha
em que vem inserido, facto que ajuda a compreender melhor a sua altíssima
frequência nas obras literárias constantes do corpus. Recordemos, entretanto, que na Antiguidade, as descrições de batalhas serviam perfeitamente o propósito
narrativo-descritivo dos historiadores condensado na definição de história
proposta por Cícero no Orator (20.66): in qua et narratur ornate et regio saepe aut pugna describitur. Como se vê, para o Arpinate,
a obra histórica
devia apresentar um carácter
narrativo-descritivo e não só narrativo. Quer dizer, o historiador não se devia limitar a
narrar os feitos,
mas também deveria expor
perante os olhos do público
situações e personagens.
Ora a eficácia
(enárgeia) das descrições estava estritamente ligada à capacidade de o historiador descrever eficazmente as emoções
que produziam efeito
sobre o público,
entendida essa competência como uma virtude do historiador e da obra histórica,[35] desde que não usada em excesso. Assim, os escritores portugueses de quinhentos, bebendo dos clássicos, muniram-se também da retórica
e elaboraram não só uma reconstituição espectacular dos feitos históricos, como
ainda descreveram as cenas de batalha de uma forma eficaz e impressionante, exercendo, deste modo, influência sobre o público-leitor, ao mesmo tempo que exaltavam
o carácter valoroso dos seus protagonistas. Na verdade,
as descrições épicas e dramáticas das batalhas
possibilitaram que os historiadores desenhassem o carácter heróico das personagens intervenientes e, em última análise, exaltassem o patriotismo desses mesmos heróis e destas insignes mulheres de Diu.
Ora, dez (10) são as arengas proferidas pelas heroínas
de Diu, enquanto decorriam os combates de assédio àquela fortaleza
do Oriente, seis (6) delas pronunciadas pela emissora-oradora de forma estática,
inserindo-se, portanto, no Tipo 5 de arengas de acordo com a tipologia proposta por Carmona Centeno et al. (2008:537) para a historiografia greco-latina. Os excertos que a seguir transcrevemos, evidenciam o dramatismo e heroísmo
que envolvem as suas intervenções retóricas. No primeiro
exemplo, a sucessão de orações justapostas transmite-nos o labor incansável do esquadrão feminino, cumprindo
diversas tarefas a um mesmo tempo,
sobressaindo a boa Isabel Fernandes, que, desafiando a sorte, se
foi meter no meio da peleja,
a fim de dar ânimo aos militares
em acção:
O esquadrão feminino desamparando as casas, se foram ao baluarte
pera nelle morrerem em companhia daquelles esforçados defensores, e dos caros consortes
que alli tinham,
levando sobre suas cabeças
pólvora, pedras, e outras cousas pera offenderem aos inimigos, mettendo-se no meio dos que pelejavam com ânimos varonis, e animando
aos que pelejavam. A boa Isabel
Fernandes com huma chuça nas mãos se metteo no meio daquelle conflicto, dizendo…[36]
O narrador/Lopo Coutinho, no engarce
final da exortação
de Ana Fernandes, exalta o alento
que esta incansável mulher dava a todos, tanto
aos que lutavam, como aos que eram feridos,
nunca abandonando o lugar da peleja:
E assi bradando
e esforçando a todos, nam se tirando
do lugar da peleja, prevalecia e convocava
a todos: e o que caya morto ajudavao a affastar:
e ao ferido apertava
a ferida: e se era pequeno dizialhe
que tornasse a pelejar que nam
era nada.[37]
De acordo com os números
acima apontados, quatro (4) dos discursos femininos são proferidos em movimento, ou seja, quando estas honradas mulheres percorrem
os diferentes locais onde se peleja,
ora animando a todos, ora a cada um em particular. Estamos, portanto, a falar de epipólesis pronunciadas durante os confrontos militares. Falamos de epipólesis sempre que no engarce prévio da alocução existe uma inequívoca conjugação de movimento e de exortação por parte do emissor-orador. Ora, é precisamente a repetição
sistemática da combinação de exortação
com movimento que, ao longo da historiografia greco-latina, leva Carmona Centeno[38] a propor a existência de uma verdadeira “fórmula introdutória” da epipólesis. Segundo este investigador, a opção pela designação de “fórmula”
advém do facto de que a epipólesis se anuncia, com regularidade e de forma repetida,
pelo menos, por meio do recurso a dois verbos: um verbo de acção que implica
movimento e outro de carácter exortativo ou declarativo.
Ora aí temos o exemplo de Isabel Fernandes que corria todos os baluartes da fortaleza e animava os soldados a toda a parte a que chegava. Temos, portanto, movimento e exortação:
A velha Isabel
Fernandes corria os baluartes
com seus bolos, e bocados
doces, esforçando a todos, acudindo
aos fracos com aquella refeição, mettendo-lha nas bocas por não desoccuparem as mãos, que estavam offendendo aos inimigos, alevantando a voz a toda a parte a que chegava,
pera que todos a ouvissem,
pera se della quizessem
alguma cousa, a dar, dizendo (…).[39]
Isabel Fernandes protagoniza ainda outra epopólesis, que, de chuço
na mão, peleja e acorre a animar os mais fracos, metendo-lhes na boca algum doce que trazia
consigo:
As honradas matronas não faltaram aqui, porque em todos os assaltos
tiveram sempre cuidado de acudirem
ao baluarte, e andavam
antre os que pelejavam, mettendo-lhes nas mãos panellas de pólvora,
e dando-lhes todas as mais cousas que eram necessarias,
e que se pediam, porque se não tirassem
dos seus lugares; tanto que hum cahia, era
tirado por ellas, e levado a curar. A boa Isabel Fernandes andava com huma chuça nas mãos, e com o seio cheio de seus bocadinhos, humas vezes pelejando, outras animando todos, e aos que via fracos acudia-lhes com seus mimos, mettendo-lhos na boca, dizendo ...[40]
4.3.
Cena típica do estandarte
Carmona Centeno,[41] em artigo de fundo, abordou
amplamente a exemplaridade e as funções da cena típica do estandarte na historiografia romana. Para este investigador, os historiadores gregos e latinos
que escreveram sobre os acontecimentos bélicos
de Roma, fazem da guerra o grande escaparate da virtus romana,
evidenciada em momentos
das batalhas por diferentes protagonistas, através do cometimento de actos heróicos.
Ora, a manifestação dessa heroicidade ou dessa valentia fazia-se,
em determinados momentos,
pela recorrência à chamada
cena típica, recorrentemente utilizada pelos historiadores greco-latinos e cujas componentes essenciais passamos a enunciar:
1.º Um exército romano, tomado pelo medo e pela desconfiança, receia iniciar um combate,
ou, já no decurso deste, não mostra o valor necessário para a ocasião ou atravessa uma situação periclitante.
2
.º Confrontados com a situação, um elemento
do exército toma um estandarte,[42] podendo ou não proferir uma exortação e, com ele nas mãos, se lança em direcção
ao exército inimigo. Em alternativa, em lugar de o transportar, pode simplesmente arremessá-lo para o meio das linhas inimigas.
3
.º Ambas as possibilidades alcançam o efeito pretendido, uma vez que o exército reage em força para evitar
a perda do estandarte.
Como se observa, é o estandarte que provoca a reacção
dos soldados e tal só se compreende, porque os estandartes eram verdadeiros objectos de culto, símbolos
da religião oficial e da força romanas,
de maneira que eram considerados verdadeiros objectos
sagrados. A
perda de um estandarte representava para o respectivo exército- portador,
não só uma desonra e uma maldição,
como ainda um possível punição pelo acto indigno.
De modo similar, os historiadores portugueses recrearam a cena típica
do estandarte, elegendo, para o efeito,
um estandarte que fosse ideologicamente comprometido com a religião oficial do estado.
Assumindo-se como o novo povo escolhido por Deus para derrubar
o Islão e evangelizar o mundo, a grande insígnia portuguesa
é necessariamente
a cruz de Cristo, estampada
nas velas das embarcações que sulcavam os oceanos e presença
constante em toda a liturgia do estado.
Em face de tudo isto, é fácil de entender que o estandarte que repetidamente integra
episódios de cenas típicas
seja, necessariamente, a cruz, o crucifixo, ou representações similares de Cristo.
Somos de opinião
que os historiadores tinham uma noção, pelo menos tácita, da associação da cruz ao estandarte das legiões romanas.
Ao introduzirem as cenas típicas,
os cronistas teriam certamente em mente a recriação das cenas típicas dos estandartes dos exércitos romanos, uma vez que tanto os momentos
bélicos, como o efeito
psicológico provocado pela cruz são similares
àqueles que eram despertados pelo arremesso
dos signa ou dos vexilla.
Vejamos, agora, quais os componentes básicos que enformam
sempre a cena típica da historiografia portuguesa:
1
.º Um exército português prepara-se para iniciar
um combate decisivo
com um exército inimigo, composto por um efectivo militar imensamente superior. Em alternativa, já no meio
da peleja, o exército
atravessa uma situação de enorme dificuldade ou não demonstra
o valor exigido para alcançar a vitória.
2
.º Confrontado com esta situação,
um elemento do exército,
mas sobretudo um religioso ou uma mulher,
empunha uma cruz e pronunciando sempre uma exortação, se lança no meio das tropas
portuguesas ou no epicentro do conflito.
Noutras situações, com uma espada na mão, um capitão é o primeiro a arrostar com o inimigo.
3.º Pelo menos, numa situação inicial,
estas actuações produzem o efeito pretendido, já que o exército
ou os elementos visados pela exortação
ganham um novo fôlego
beligerante.
Ao contrário da cena típica romana, a cena típica portuguesa apresenta sempre uma exortação, do mesmo modo que o estandarte, a cruz tem um efeito psicológico em si: procura que os soldados rememorem que lutam por e com Cristo contra
os seus inimigos
Como dissemos, as mulheres,
neste caso as de Diu, são protagonistas de algumas cenas típicas. No exemplo seguinte,
sem medo dos pelouros e flechas,
duas mulheres
sobem ao baluarte
para esforçarem os que lutam. Acto continuado, Ana Fernandes, levantou à vista de todos, um crucifixo, o estandarte sagrado, animando- os a terem confiança
em Cristo que guarda
aqueles que pelejam contra os seus inimigos.
Embora o engarce final não nos dê o retorno da exortação, em termos comparativos com situações
análogas, é de prever que estas palavras tenham tido uma resposta
positiva por parte
dos saldados. Atente-se
sobretudo da força imagética
do verbo arrancar, na oração
arrancou de um devoto Crucifixo:
Isabel da Veiga, e Anna Fernandes, cujos annos e idades eram já mais pera repouso,
que pera aquelles
trabalhos, subidas ambas ao baluarte, mettidas no meio dos que pelejavam, alevantando as vozes esforçavam a todos. Aqui Anna Fernandes
com hum fervor christianissimo, arrancou de um devoto Crucifixo e arvorando-se ao ar, disse: «Ah filhos,
que aqui tendes quem vos ha de dar a vitoria: ponde os olhos neste
Senhor, que delle vos ha de vir todo o socorro:
pelejai, Cavalleiros de Christo,
esforçados Capitães, e soldados
seus, com muita confiança contra vossos e seus inimigos,
que aqui tendes convosco
aquelle, que defende, e guarda todas as Cidades,
e lugares daquelles, que pelejam
por sua Fé Sagrada, e Catholica». Isabel da Veiga tambem pela sua parte fazia outro tanto, tão seguras
ambas, e confiantes, que nada lhes dava dos pelouros, e das frechas, que
lhes hiam zonindo pelas orelhas.[43]
Tomemos, agora, o exemplo
seguinte de Gaspar
Correia:
N’este ensejo veose meter antre a gente huma molher
portuguesa, per Nome Anna Fernandes, casada com hum bacharel
de medicina, a qual trouxe nas mãos hum retavolo
da imagem de Nossa Senhora,
bradando: «Ah! Senhores, olhai que Nossa Senhora
vos vem aquy secorrer, e ajudar com seu bento filho, per quem vós pelejaes. Esforçay, filhos de Jesu Christo, que elle he comvosco!»
E posto
que estas
palavras nom erão muyto
ouvidas, mas vendo a imagem de Nossa Senhora,
cobrarão tanto coração que arremeterão com os rumes
tão fortemente que os
fizerão tornar atrás.[44]
Primeiramente, o conflito
está tão aceso que
os rumes parecem ter ascendência sobre os portugueses. Em seguida,
Ana Fernandes mostra aos soldados um retábulo de Nossa Senhora, variante
da Cruz e exorta-os a pelejarem sob o
Seu patrocínio e o de Cristo. Finalmente, posto que as suas palavras fossem abafadas com o estrépito da batalha,
contudo, os combatentes, vendo a imagem, cobraram ânimo, fazendo retroceder os rumes.
Esta é, assim, uma cena típica porque se repete em variadíssimos cenários bélicos,
com protagonistas distintos
e com resultados semelhantes. Estes recorrentes episódios
de cenas típicas foram muito apreciados pelos historiadores portugueses, como já anteriormente tinham sido pelos historiógrafos romanos. Na verdade,
estas cenas contribuem grandemente para a construção dos caracteres das personagens, concorrendo para a afirmação do seu estatuto
de heróis. De facto, por meio destas cenas, os leitores
não só vêem estes protagonistas a praticarem acções de bravura, como ainda
ouvem as suas palavras plenas de
valentia, de optimismo, de patriotismo, de sentido do dever, de maneira que a cena típica do estandarte é um poderoso mecanismo
retórico que reforça
o ethos de cada um dos heróis em geral e, no caso, das defensoras de Diu.
4.4.
Argumentatio
Pelos exemplos que já tivemos oportunidade de apresentar, ficou já patente que os discursos
das defensoras de Diu, produzidos durante os vários combates
que envolveram os dois assédios à fortaleza, apresentam uma reduzida
extensão, pois, o fragor e a azáfama inerentes à guerra,
limitam não só a sua amplitude, como a respectiva profundidade argumentativa. De maneira que estes são discursos breves, de alto conteúdo parenético, marcados por um ou dois topoi retóricos e por concisas sentenças. Decorre daqui que, do ponto de vista estrutural e organizativo, estas arengas
se concentram, exclusivamente na componente exortativa (paraínesis), estando
ausente a componente instrutiva (didaché), de acordo
com o modelo proposto
por Tucídides, imitado
e adaptado pelos historiadores subsequentes.
Assim, estas mulheres, quando iniciam as suas intervenções, dirigem-se através de uma fórmula retórica
quem tem por objectivo captar a atenção do auditório: o vocativo.
Esse vocativo pode ter um conteúdo mais afectivo, nomeadamente quando as mulheres mais velhas, como Isabel da Veiga,
tratam os que pelejam por filhos, precedido, geralmente, da interjeição Ah, perfazendo constituintes como Ah filhos.
Cumulativamente, o vocativo pode ter um conteúdo mais belicista
e mobilizador dos ânimos,
quando, ao vocativo
paternalista, se lhe segue um outro, como dissemos,
de cunho guerreiro, como o faz Isabel
Fernandes: Ah filhos, cavalleiros de Christo[45] ou, simplesmente, o vocativo
ser constituído por este último constituinte.
Não é inócua esta referência a cavaleiros de Cristo, tanto mais se atendermos ao razoado que vem imediatamente a seguir, ocupado
sempre por aquele que é tópico argumentativo mais importante da historiografia portuguesa, tanto medieval, como renascentista, o topos do bellum justum.[46] De facto, este tópico sanciona
não só a justiça
humana a exercer sobre inimigos quebrantadores de pactos
e leis comummente firmados,
como também legitima a justiça
divina contra os inimigos da Fé, que procuram substituir, no Oriente, o nome de Cristo pelo de Mahoma. Enfim, reacendia-se no Oriente a atmosfera
de cruzada, vivida na Europa e na Península
medievais, contra o inimigo
atávico de sempre: o Muçulmano. Para o enfrentar, foi pois necessário, com toda a assertividade, empregar a força militar:
Tal decisão acarretou profundas consequências ideológicas: a empresa
adquiriu, assim,
um cunho guerreiro,
renovando a atmosfera
das campanhas marroquinas do século XV. Era um ideal de guerra
santa, uma como que nacionalização da ideia de cruzada – despedida
de coloração internacionalista que lhe conferia
a sua relação com o conceito
medieval de Respublica Christiana, porque colocada
agora ao serviço da política
expansionista de um Estado Nacional
(…).
O reeencontro com os Muçulmanos no Índico
não levou, porém, apenas
ao avivar da atmosfera
mental das campanhas
marroquinas: levou, igualmente, à reprodução do modelo de organização da expansão
no Norte de África, baseado na presença
de um rosário de praças-fortes, ao longo da costa, em endémico
estado de guerra – o que, como em Marrocos,
permitiu a perpetuação do predomínio político da nobreza militar, chamada a desempenhar um papel essencial
na manutenção do sistema. A sua educação, no
seio de uma estrutura familiar, assegurava, por sua vez,
a transmissão dos valores
guerreiros tradicionais, e, consequentemente, a ideologia
belicista que enformava
a empresa.[47]
Não surpreende, face ao exposto,
que tanto no campo de batalha, como no recato do scriptorium, militares
e historiadores agitassem, energicamente, o estandarte do bellum iustum, pois o Muçulmano era a um mesmo tempo, concorrente e inimigo do comércio das especiarias no Oriente, como também inimigo da Fé. E o imperium português
fez-se sempre contra este pertinaz inimigo.[48]
Em face disto, o exército
das matronas, disseminado por entre os soldados
e cavalleiros que estavam
accezos em furor, incitavam-nos a pelejar confiada e desabridamente contra os inimigos, pois têm do seu lado a ajuda de Deus:
Filhos, cavalleiros de
Christo, pelejai por vossa fé, que
Deos tendes, que vos ha de favorecer ajudando também a lançar
sobre os inimigos
os instrumentos de sua perdição.[49]
Numa outra ocasião, Isabel
Fernandes, a boa velha Isabel Fernandes, que teve aquelle honrado
sobrenome da velha de Dio, metendo-se no meio do conflito,
apelando para o mesmo tópico
na sua curta exortação: Ah filhos, pelejemos pela Fé de Christo, e mostremos a estes inimigos della que temos Deos por nós que nos favorece.[50] Num outro episódio, marcado por uma cena típica, Ana Fernandes trouxe um retábulo de Nossa Senhora
para o local onde se travava
a batalha, exortando
os homens
a olharem para aquela
imagem, asseverando que tinham
o patrocínio tanto da Mãe como do Filho:
Ah! Senhores, olhai que Nossa Senhora vos vem aquy secorrer, e ajudar
com seu bento filho, per quem vós pelejaes.
Esforçay, filhos de Jesu Christo, que
elle he comvosco![51]
Como observamos, na generalidade, estas curtas alocuções não vão além da menção
breve de um tópico, quase sempre o do iustum. Por vezes, o tópico
da justiça, sem que se anule completamente, dá a primazia a um outro, particularmente o da honra (honorable). Assim o faz Ana Fernandes, numa exortação que integra
uma cena típica. Chegando-se junto dos defensores portugueses, descobriu-lhes um retábulo de Jesus Cristo
e exortou-os a pelejarem
esforçadamente, assim como, se necessário for, a morrer por Ele, que também padeceu
por todos eles. Na verdade, acrescenta, aquele que morrer alcançará muita glória, do mesmo modo que aquele que viver, cobrir-se-á de honra diante do mundo. Mas Ana Fernandes não olvida as contrapartidas negativas da honra:
aquele que for cobarde
contará com a sua voz para apregoar
a sua ignomínia:
e chegando aos que defendiam, descobrindoo, de hũa
toalha, erguendoo bradou muy alto dizendo:
«O cavaleyros Christãos, esta he a fegura,
daquelle que sem nos ter nenhũa obrigaçam, mais que a da sua misericordia, quis padecer mais do que todos juntos,
ay morrendo podereis sintir: pelejay e esforçadamẽte tendo a elle por ajudador,
que o que morrer tem muy certa a gloria, e o que viver merecimento ante elle, e honrra ante ho mundo: que pera ho
covardo eu soo abasto
pera ho apregoar».[52]
Neste âmbito, merece ainda aqui destaque
o arrojo da mulher turca que agora era portuguesa por casamento e por convicção. Vestindo-se com as roupas do marido e armando-se, foi-se
ao lugar onde este pelejava,
bradando-lhes com o tópico da possibilidade de vitória
(possibile). Assim, declara, com a autoridade de quem nasceu turca, que os turcos afinal são uns fracos
e que ela também
ali estava para lidar com eles: Senhores, agora vereis pera quão pouco são estes perros; que eu sey quem elles são, que nacy antre elles, e aquy me veres com elles.[53]
Como vimos, estes breves discursos não apresentam grande profundidade argumentativa, até porque a exiguidade lhes coarcta
essa possibilidade. A estrutura
retórica destas alocuções não obedece a um esquema muito elaborado, adaptando-se essencialmente ao imediatismo e ao voluntarismo destas corajosas mulheres. Embora deixemos
as conclusões mais para diante,
é notória a intenção dos historiadores valorizarem o papel destas mulheres,
retirando-as dos
bastidores dos acontecimentos, para o palco da guerra,
assumindo um estatuto
de condutoras, ainda que por instantes, da diegese,
da guerra. Ora, isso só se faria amplamente através da pronunciação
de um discurso directo, ponto alto do protagonismo das defensoras de Diu. Segundo
as palavras do narrador/Diogo do Couto,
as alocuções destas mulheres revelaram-se altamente mobilizadoras das vontades
e dos ânimos dos que as ouviam, pelejando
não só com mais confiança, mas,
mais extraordinariamente, com alegria. Assim sucede com a velha Isabel Fernandes: E assim todas as vezes que entrava nos baluartes, que a ouviam, assim se animavam todos tanto, que pelejavam
com alegria, e sem receio.[54]
4.5.
Aemulatio
Os dez (10) discursos
femininos das heroínas
de Diu provêm de obras de três cronistas que partilham
um traço comum – experimentaram, por largos anos, a vida
no
Oriente.[55] Lopo de Sousa Coutinho
viveu mesmo os acontecimentos que rodearam o primeiro cerco, contando-se
mesmo como uma das mais insignes
figuras militares
do primeiro cerco. Também Leonardo Nunes, outro cronista que já mencionámos e autor de uma Crónica
de D. João de Castro, presenciou os feitos
que relata.
São dados importantes, pois as obras que produziram estão impregnadas do dramatismo próprio das testemunhas oculares. Ou seja, estes autores contactaram com os factos que narram
e com os protagonistas que descrevem, conhecendo, portanto,
muitos dos heróis dos seus relatos, em particular, as célebres mulheres de Diu. Interessa destacar
as obras de Leonardo Nunes (cólofon de Goa de 1550) e de Lopo de Sousa, Livro primeiro
do cerco de Diu que os turcos
puseram à fortaleza
de Diu (Coimbra, 1556), porque serviram de fonte a narrativas posteriores que vieram a tratar dos mesmos
acontecimentos, como é o caso de Diogo do Couto.
Diogo do Couto foi o sucessor de João de Barros na feitura das Décadas da Ásia, cobrindo o período
de 1526 a 1600. Cedo embarcou
para a Índia onde serviu como soldado. Embora tendo regressado a Portugal,
rapidamente voltou ao Oriente, onde passou a maior parte da sua vida. Foi entre 1591 e 93 que Couto lançou mão à empresa de continuar
as Décadas iniciadas por Barros. Em 1598, acumulou o cargo de cronista e de guarda-mor
da Torre do Tombo de
Goa. A sua obra histórica
revela que Couto detinha grandes conhecimentos sobre a história
e a historiografia clássicas, o seu estilo histórico
é marcado por uma constante
aproximação à retórica, de tal maneira que é o autor
português mais prolixo
no recurso à arenga militar,
com 60 discursos. Desses, sete são femininos. Para a elaboração da sua obra, utilizou materiais
anteriores, nomeadamente da obra de Leonardo
Nunes e de Gaspar Correia, de maneira
que estes discursos
são reelaborações posteriores de anteriores redacções.
Todos estes celebraram em prosa as
proezas destas heroínas. Porém, elas viram definitivamente os seus feitos
consagrados, quando o poeta Jerónimo
Corte Real (1530-1588), o primeiro
émulo de Camões, expressou em 145 decassílabos do seu Sucesso
do segundo cerco de Diu (1574),
a admiração colectiva
de um povo! Dada a impossibilidade de os transcrever na totalidade, apresentamos aqui apenas a referida negligência confessada pelo poeta, se aqui as não cantasse:
Neste cerco
seruiram e
estiueram
Em todos os perigos e
combates:
Soffrendo grandes fomes,
e miserias,
Que a
corações robustos,
muitas vezes
Fazem desfalecer. E se eu
deixasse
Sem memoria os louuores tam
diuidos
Sendo o ceo testemunha de seus feitos,
Elle entam mostraria ao mundo todo
Com grande gloria e honrra, o que por culpa,
Ou negligencia minha se perdesse.[56]
4.6.
A arenga de Njai Tjili, rainha de Ternate
Deixámos para o final e em tratamento exclusivo a arenga da rainha de Ternate. Várias são as razões que determinaram essa opção. Em primeiro
lugar, o facto de
esta alocução não
ser
proferida durante
um conflito militar,
como as anteriores, mas sim antes de ele se iniciar, além de o auditório da mesma estar confinado, exclusivamente, aos principais daquela ilha do Pacífico.
É, portanto, uma arenga de Tipo 1, ou seja, uma arenga dirigida
a conselheiros e a comandos intermédios. Decorre daqui, a segunda justificação, a emissora-oradora já não é uma das mulheres
de Diu, sim uma rainha de um reino distante
de Portugal como também de Diu. Ora, este facto é relevante, pois demonstra que os historiadores portugueses conferiram
protagonismo e visibilidade a
uma soberana que está do lado de lá da barricada, no terreno do adversário. Similarmente, também os historiadores romanos
ter-se-ão admirado
com Boudicca. Em face do apresentado, esta é também a arenga feminina mais extensa e retoricamente mais elaborada.
Ternate, Tidore, Maquiem, Bachão e Moutel[57] eram ilhas que no século XVI integravam o arquipélago do Maluco.
Hoje estas ilhas e outras mais são conhecidas como as «Molucas», ainda que, segundo Thomaz,[58] seja preferível a forma «ilhas de Maluco»,
pois é o termo que melhor corresponde ao termo original
malaio Maluku, para além
de que os cronistas portugueses de quinhentos assim designam este conjunto
de ilhas. Desde os inícios
da segunda década do século XVI que os portugueses demandavam ao Maluco,
região rica em cravo. Na ilha de Tidore,
os portugueses construíram
uma fortaleza, iniciada em 1522, projecto em que o rei local mostrou interesse. De facto, Portugal exerceu um protectorado sobre este território, mas a circunstância de aquele arquipélago estar muito afastado do poder central,
quer de Lisboa, quer de Goa, potenciou
diversas situações que deterioraram a convivência entre portugueses e autóctones, dissensões que culminaram na expulsão dos europeus
em 1575.[59]
Justamente, a arenga
de Njai Tjili,
rainha (1521-1532) de Ternate,
tem como móbil as ofensas praticadas pelos portugueses naquela
ilha, infringindo, assim, as regras de hospitalidade de que tinham sido
alvo. Njai Tjili, entre 1529 e 1533, liderou mesmo a contestação
de Ternate contra o
domínio português.[60] Assim, aproveitando as dissensões entre os portugueses e mesmo uma conjuração que se urdira entre os portugueses contra o seu capitão,
Gonçalo Pereira,
por
este lhes ter proibido a única forma de subsistência na ilha: o comércio de cravo. Sendo pois a ocasião favorável para lançar uma ofensiva
contra os forasteiros, a rainha juntou os principais da ilha e a todos proferiu
uma arenga, tal como se lê no engarce inicial da mesma:
A raynha e os regedores ficarão muito
contentes de verem aquellas
divisões, porque esperavão
de por ellas tornarem
a cobrar a liberdade d’aquella ilha, e lançarem
fora todos os Portugueses: e vendo que se lhe offerecia
tamanha occasião, não a quiserão
perder. E fazendo a raynha ajuntamento de todos os
principaes da ilha, lhes fez a todos esta
fala…[61]
Trata-se, como vê, de arenga preparatória de Tipo 1, dirigida
aos dirigentes da ilha, antes de iniciarem o combate.
Por esse motivo, é mais extensa
do que as alocuções vistas das heroínas
de Diu e denuncia a apropriação plena da técnicas retórico-compositivas da arenga militar
por parte do seu autor, Diogo Couto. Couto é um nome maior da historiografia portuguesa de finais do século XVI e inícios do seguinte, homem de saber militar de experiências feito, a que associou uma erudição clássica proveniente das leituras de Arriano,
Quinto Cúrcio, César, Tito Lívio, Séneca, entre outros, autores que cita com regularidade.
Assim, do ponto de
vista da dispositio, o discurso
da rainha de Ternate apresenta uma estrutura tripartida, a mais comum neste género discursivo. Assim, com a finalidade de delectare o auditório, no exordium, a oradora
dirige-se aos principais, chamando-os não
só de amigos, mas também como filhos, (Bem vos lembra
amigos meus a quem eu sempre amei como filhos…). Já na tractatio, a rainha desenvolve um raciocínio com a vista a docere os ternateses, para sacudirem hum tão
duro e pezado jugo. Enquanto, na peroratio, a rainha procura movere os espíritos para a acção contra os hóspedes,
de maneira
a matarmolos a todos, recordando-lhes a ocasião favorável que a todos se oferecia. Ou seja, cumprem-se, nesta arenga, os três objectivos da retórica,
delectate, docere e movere
o auditório.
Do ponto de vista da argumentatio, a arenga assenta em duas linhas argumentativas, uma de tipo explicativo
e outra de tipo exortativo, facto que demonstra que Diogo do Couto assimilou
o modelo proposto
por Tucídides,[62] que lhe chegou certamente pelos autores latinos acima referidos. Na componente instrutiva (didaché), mais extensa, a oradora
centra a sua argumentação no topos da justiça da luta (iustum). Na verdade, Njai Tjili declara perante
os seus que os portugueses, que o rei, seu marido, agasalhou de tal maneira
bem os portugueses, com honras
e fortalezas, que se desaveio com os reis vizinhos:
(onde com honras e mimos os recebeo, e agasalhou, e deu fortaleza, perdendo por amor d’elles a amizade
dos reys vesinhos e parentes). Ora, a verdade
e que, prossegue a monarca,
em agradecimento pela hospitalidade, os europeus desenvolveram uma série de crueldades contra a família
real, quer contra a própria rainha,
quer contra os filhos,
matando um e encarcerando outro:
Mas elles em satisfação d’este hospício, gasalhados, mimos, e favores,
fechando elrey meu marido os olhos, quiserão
logo lançar mão de mim, que lhes escapei, andando muitos tempos por matos, e por brenhas,
passando muitas miserias, e desventuras, tomandome meus filhos mininos com engano,
e quando meu filho Bayano começava
a entrar em idade pera tomar posse do reino, matarãomo com
peçonha, e pode bem ser que
se não acodir
o fação a essoutro que tem na fortaleza, tão mal tratado, como se fora todo seu,
e nos foramos os forasteiros, avexandonos sobre isto, fazendonos guerra, usando as crueldades que ha poucos dias vistes nos nossos proprios naturaes,
deitandoos aos cães,
como alimarias brutas.
A situação inverteu-se
de
tal maneira que, como fiz a rainha, os naturais parecem forasteiros na sua própria terra. Sobressai neste excerto, o patetismo descritivo ali bem vincado, não só para impressionar os receptores intra-textuais, como também os leitores
desta obra literária. Se estas atrocidades já eram suficientes para se libertarem do jugo português, a rainha prossegue, desfiando, agora, o rol das malfeitorias feitas ao cerne de uma colectividade, a religião:
«Qualquer d’estas cousas era mũy bastante pera trabalharmos de sacodir de nossos pescoços, hum tão duro e pezado jugo: quanto mais tantas quantas
pêra isso temos. E sobre tudo isto, o que he mais de sentir, a afronta que se fez a nossa religião,
avexando nossos sacerdotes, desprezando nossos templos,
e vituperando nossa ley».
A monarca traçou assim um cenário em que os ternateses têm justa causa para expulsarem os portugueses da sua pátria.
Entramos, assim, na componente exortativa da alocução (paraínesis), marcada
por
um tom fortemente parenético, em que a oradora
exorta os seus ouvintes a se livrarem dos portugueses.
Para esse fim, fundamenta-se no topos do possibile, pois é ocasião
de aproveitar os separatismos entre os portugueses e a fuga de alguns:
«E pois o tempo nos offerece
tamanha occasião, como a que oje ha com a desavença dos Portugueses com seu capitão,
lancemos mão d’ella, pois temos em nosso favor todos os Portugueses, e então a y nos fica depois matarmolos a
todos…»
A rainha toca ainda o topos do
utile, uma vez que, matando os invasores, alcançarão a almejada
liberdade, tanto o rei, filho da rainha
que se encontra
preso, como a própria
pátria: «e darmos liberdade ao vosso rey, e a vossa patria, e não consentir mais hospedes, que tão mal nos ãode pagar o gasalhado». Terminada a alocução, todos
ali se lhe oferecerão pera
dar a execução aquelle negocio, tratando logo ali o modo, e o dia, em que avia de ser.
Como podemos ver, esta arenga
afasta-se completamente do tom apologético e epopeico sentido nas arengas das defensoras de Diu. Pelo contrário, perpassa por este discurso um tom crítico e censurador do comportamento dos portugueses no Oriente,
que dificilmente encontramos em autores de meados do século como João de Barros, por exemplo. Antes de ter inserido esta alocução na narrativa, Diogo do Couto/narrador já havia introduzido um severo comentário à conduta
de alguns capitães das fortalezas, que, cumpridos os três anos, se vão a Portugal cobertos de ouro, deixando
o estado depauperado e escandalizados os vizinhos:
E os capitães
acabão os seus tres annos, e
vãose pera Portugal cheios douro, deixando as fortalezas estragadas, e os vesinhos escandalizados com suas desordens, e tyrannias, e a terra de guerra, e sem provimentos, e os moradores
com os trabalhos, e sem proveitos…
Um pouco mais adiante, declara
que de todas essas perdas dará conta, posto que o já tenha feito numa outra obra sua, o Soldado
Prático:
Estas perdas e crecensas, nos algũa hora apontaremos, se nos cair a pello,
posto que muito claramente o temos ja feito no nosso Dialogo do Soldado
Pratico.
Tanto a arenga da rainha de Ternate como os comentários do narrador/Couto vêm-nos recordar que, do ponto de vista do conteúdo,
a obra histórica
é um opus oratorium
maxime, tal como a definiu Cícero do De legibus
(1.5.21), ou seja, a sua finalidade é pragmática,[63] é a defesa do estado. Por isso, quer directamente, através de comentários, quer de discursos, Couto/narrador não deixará
de denunciar a corrupção
que, tal como os Holandeses, ameaçava a ruína do Estado Português
da Índia.
5.
Conclusão
Desde a Antiguidade até ao Renascimento, que a historiografia
e a
épica ocidentais foram concedendo um enfoque
cada vez mais acentuado ao papel da mulher na sociedade, até mesmo em funções
virilmente consideradas, como a guerra. Se Homero e Vergílio
admiraram a força das Amazonas, já Heródoto
destacou a astúcia e a estratégia militares de rainhas
que subjugaram a altivez
de grandes generais,
como o caso de Tómiris em
relação a Ciro. No entanto,
verdadeiramente, a mulher
só assume um papel militar
e literário de primeira linha, quando os historiadores lhes concederam, não só a função de estrategas militares, mas sobretudo
a voz e a possibilidade de usarem o discurso de primeira
pessoa, exortando, por exemplo, exércitos
à guerra. Se virmos bem, tal atribuição demonstra uma alteração substancial nos paradigmas de género,
mas também o papel emergente da retórica
na historiografia. Veja-se, a este propósito, a importância retórica da arenga da rainha Philippa, em Froissart. Com aquela exortação, a rainha assume, por ausência
do rei, não só o cargo mais elevado
da hierarquia político-militar, mas também o papel de heroína ao proferir
não apenas uma arenga,
mas uma epipólesis, que é o cume da máxima identificação da exortação
com o herói.
Quando chegamos ao século XVI e, sob os influxos
do Renascimento, dá-se uma renovação na arte de escrever
a história, em que a obra histórica passou também a ser literária e um instrumento para ensinar e
comover os leitores.
Redescobriram-se os modelos
históricos clássicos. Portugal, por instantes, sonhou ser uma
nova Roma, não só pelas extensões do seu império, mas também pela grandeza
dos seus heróis. Ora, a obra histórica assumiu-se como o instrumento fundamental para conferir dimensão a essa gesta,
não só ao nível nacional, mas também internacional. Incessantemente, os historiadores brandiram o ideal da superação de tudo quanto a Musa antiga canta.
Se as comparações entre heróis e impérios,
português e romano,
já estavam assumidas
e literariamente consagradas, faltava, contudo, trazer para essa galeria
também as mulheres.
A oportunidade surgiu,
quando um punhado de mulheres desempenhou um papel activo na defesa da praça de Diu. Assim, os historiadores chamaram-nas à vanguarda
do heroísmo, cumprindo
um cargo militar
de primeiro plano, não só ajudando
à luta, mas
animando também as tropas.
Repara-se ainda que as exortações femininas proferidas são aquelas
que mais contribuem para o êthos heróico
das emissoras, como as que mais dramaticamente comovem os leitores,
estamos a referir-nos às arengas pronunciadas durante os conflitos e às epipólesis, de origem homérica,
como sabemos.
Esse desejo de emulação e de superação está bem vincado na épica de Jerónimo
Corte Real. Se as matronas romanas eram famosas
pelas suas riquezas e bela, estas, dramaticamente, trabalhavam, lutavam e padeciam,
sempre com grande coração. Quem merecerá
levar a palma? Repare-se na enárgeia
da descrição dos trabalhos femininos:
Escreva Tito Liuio com palauras
Ornadas de artificio, engrandecendo
As illustres Romanas; encareça,
E levante até o ceo,
seus feitos dignos
De perpetua memoria; va louuando
Com ellegante estillo, como dauam
As honradas matronas, e as donzellas
Bellisimas, e nobres, quantas joyas
(…); mas neste cerco
As mulheres seruião, e ajudavam
A reparar os muros com
trabalho;
(…)
Andauam sem temor de
morte, ou dano,´
Ajudando os soldados, e acodindo
Com cousas proueitosas aos feridos,
Os mortos enterrauam,
aonde algũas
Ficauam maltratadas, das nociuas,
E voadoras
setas; padecendo
Grauissimos trabalhos, com paciência
Com grande coraçam e alta bondade.[64]
LUÍS MIGUEL F. HENRIQUES
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[1] Tradução nossa.
[2] Tradução nossa.
[3] As Amazonas surgem na historiografia antiga como tendo existido algures na Ásia Menor, a sul do Mar Negro, ou mais a este, perto do Cáucaso.
[4] «[Ao falarmos] das Amazonas, é a polis grega, esse clube masculino, que está a ser definido pelos seus historiógrafos e os seus “etnógrafos” em termos de seu oposto» (KIRK 1987:30).
[5] Hom., Il., 3.189
[6] Hom., Il., 6.186
[7] Trad. nossa
[8] Trad. nossa.
[9] Verg., Aen., 1.491-495.
[10] Cf. AMARAL (1994: 19).
[11] Da realeza desta cidade, Heródoto (1.184-187) destaca as rainhas Semíramis e Nitócris, marcantes no planeamento defensivo da capital,
orientado para a construção de obras gigantescas, profetizando o ataque de Ciro.
[12] Hdto., Hist., 1.214.4.
[13] Cf. AMARAL (1994: 28).
[14] Cf. AMARAL (1994: 38).
[15] Cf. CARMONA CENTENO et al. (2008:539).
[16] Cf. BULST (1964), CRAWFORD (2002).
[17] Cf. ADLER (2011: 119-162).
[18] Cf. CARMONA CENTENO (2008a: 64).
[19] Froissart, Chronicles..., Vol. I, Cap. CXXXVII.
[20] FRASER (1990) apresenta 17 mulheres que, desde a Antiguidade até ao século XX, lideraram exércitos, impérios e rebeliões, como Cleópatra, Tamara da Geórgia, Isabel de Espanha,
Elisabeth I, Catarina, a Grande, Jinga Mbambi
de Angola
[21] Cf. CARREIRAS (2004: 182)
[22] Cf. CARREIRAS (2004:182-3).
[23] Cf. CORREIA (1948:67).
[24] Leonardo Nunes, Crónica de D. João de Castro, p. 66.
[25] Damião de Góis, Prólogo
da Crónica de Dom Ioam
[26] Cf. IGLESIAS ZOIDO (2008: 20).
[27] No âmbito da tese de doutoramento que estamos a preparar sobre a arenga
militar na literatura portuguesa de quinhentos, constituímos um corpus cohortationum de 223 discursos, em línguas como o português, o latim e o castelhano
[28] Diogo do Couto,
Década VI da Ásia, Liv. II, Cap. IV
[29] Diogo do Couto,
Década VI da Ásia, Liv. II, Cap. X.
[30] Diogo do Couto, Década VI da Ásia, Liv. III, Cap. II.
[31] Gaspar Correia, Lendas
da Índia, Tomo IV, Ano de 1538, Cap. XVIII.
[32] Diogo do Couto, Década V da Ásia, Liv. V, Cap. II.
[33] Gaspar Correia, Lendas
da Índia, Tomo IV, Ano de 1538, Cap. XVIII.
[34] Cf. tipologia discursiva in CARMONA CENTENO et al. (2008)
[35] Cf. CARMONA CENTENO (2008a:367). Nas escolas gregas do Império
Romano, manuais de retórica denominados Progymnasmata apresentavam o conceito de ekphrasis, discurso que se destinava
a vivificar, diante dos olhos, um certo assunto.
Identificavam Tucídides como um dos mestres no tratamento deste recurso retórico,
que visava conferir eficácia
(enárgeia) visual a um discurso, com o objectivo de envolver
imagética e emocionalmente um leitor ou um ouvinte.
Tucídides, com a descrição de
alguns episódios e a pronunciação de certos discursos, logrou atingir esses efeitos sobre o auditório. A historiografia subsequente recorreu
a esse expediente, do mesmo modo que, por imitação, e com objectivos análogos,
também os historiadores portugueses exploraram a dramatismo de certas cenas para impressionarem os leitores.
Sobre a evolução do conceito
de ekphrasis, desde a Antiguidade aos nossos dias, cf. SOARES (2011).
[36] Diogo do Couto, Década
VI da Ásia, Liv. II, Cap. X.
[37] Lopo de Sousa Coutinho, Livro Primeiro do cerco que os Turcos puseram à fortaleza
de Diu, Liv. II, Cap. XVIII.
[38] Cf. CARMONA CENTENO (2008a:64).
[39] Diogo do Couto,
Década VI da Ásia, Liv. II, Cap. V
[40] Diogo do Couto,
Década VI da Ásia, Liv. II, Cap. X
[41] Cf. CARMONA CENTENO (2008b: 273-295).
[42] As designações dos estandartes passsaram pela aquila representava toda a legião,
era transportado pelo aquilifer e fora introduzido por Mário. Na República, os signa, um para cada centúria, é o mais habitual
nas cenas típicas e temos ainda os vexilla
[43] Diogo do Couto,
Década V da Ásia, Liv. V, Cap. II
[44] Gaspar Correia, Lendas da Índia, Tomo IV, Ano de 1538,
Cap. XVIII.
[45] Lopo de Sousa Coutinho, Livro Primeiro do cerco que os Turcos puseram à fortaleza
de Diu, Liv. II, Cap. XVIII.
[46] Sobre a evolução
e modelação do conceito
do bellum iustum
desde Aristóteles, passando pelos autores romanos e cristãos, até aos pensadores medievais
como Santo Agostinho ou S. Tomás de Aquino, finalizando nos teorizadores quinhentistas como Vitória e Francisco Suaréz, veja-se
FERREIRA (2009).
[47] THOMAZ (1998: 212).
[48] Sobre a fundamentação jurídica do imperium português como iustum cf.
SALDANHA (2005).
[49] Diogo do Couto,
Década VI da Ásia, Liv. II, Cap. IV.
[50] Diogo do Couto,
Década VI da Ásia, Liv. II, Cap. X.
[51] Gaspar Correia, Lendas
da Índia, Tomo IV, Ano de 1538, Cap. XVIII.
[52] Lopo de Sousa Coutinho, Livro Primeiro do cerco que os Turcos puseram à fortaleza
de Diu, Liv. II, Cap. XVIII
[53] Gaspar Correia, Lendas
da Índia, Tomo IV, Ano de 1538, Cap. XVIII.
[54] Diogo do Couto,
Década VI da Ásia, Liv. II, Cap. V.
[55] Gaspar Correia (1495-1561); Lopo de Sousa Coutinho (1515-1577) e Diogo do Couto (1542-1616).
[56] Jerónimo Corte Real,
Sucesso do segundo
cerco de Diu, Canto IX.
[57] Cf. Diogo do Couto, Década IV da Ásia, Liv. VII, Cap.
VIII
[58] Cf. THOMAZ (1998: 537).
[59] Cf. GARCÍA (2009: 207).
[60] Cf. CRUZ (1999: 329).
[61] Diogo do Couto,
Década IV da Ásia, Liv. VIII, Cap. I.
[62] Cf. IGLESIAS ZOIDO (2008a: 231 e ss).
[63] Cf. SÁNCHEZ SALOR (2008: 128)
[64] Jerónimo Corte Real,
Sucesso do segundo cerco de Diu, Canto IX.