LUÍS MIGUEL F. HENRIQUES

A ARENGA MILITAR FEMININA NA HISTORIOGRAFIA PORTUGUESA QUINHENTISTA

The Female Military Speech in the Portuguese Historiography of the XVIth. Century

 

ABSTRACT: This paper examines how sixteenth century Portuguese historiography adapted a type of discourse that already had some examples in Roman historiography: the female military harangue. In particular, we identify the narrative contexts which favour its occurrence, its discursive typology and most recurrent argumentative topics and their relationship to the previous rhetorical tradition and also to the coeval historical framework. Finally, we also verify the functions that these discourses play in the historical works to which they belong. The protagonists of these speeches are the women of Diu, who, in the sieges of 1538 and 1546, helped by work and words of encouragement, to defeat the attacks of the Turks to that citadel. How the Portuguese were looked at by the "Other" in the elaborate harangue of the queen of Ternate, clear example of the assimilation of military rhetoric by the Renaissance Portuguese historians, is considered.

KEY WORDS: Military harangue; female discourse, Portugal, sixteenth century; rhetorica, historiography.

 

RESUMEN: Este artigo analisa o modo como a historiografia portuguesa do século XVI adaptou um tipo de discurso que contava com alguns exemplos na historiografia romana: a arenga militar feminina. Em particular, são identificados os contextos narrativos que favorecem a sua ocorrência, a sua tipologia discursiva, bem como os tópicos argumentativos mais recorrentes e a sua relação com a tradição retórica prévia e também com a envolvência histórica coeva. Finalmente, são ainda apuradas as funções que estes discursos desempenham nas obras históricas em que estão inseridos. Protagonistas destas alocuções são as mulheres de Diu, que, nos cercos de 1538 e 1546, ajudaram, com trabalhos e palavras de incentivo, a desbaratar os ataques turcos àquela cidadela. Destaque ainda para o olhar dos outros sobre os portugueses, na extensa e elaborada arenga da rainha de Ternate, exemplum claro da assimilação da retórica militar por parte dos historiadores portugueses renascentistas.

PALAVRAS-CHAVE: Arenga militar; discurso feminino, Portugal, século XVI, retórica: historiografia.

 

Fecha de Recepción: 15 de junio de 2012.

Fecha de Aceptación: 17 de septiembre de 2012.

 

 

1.               Introdução

O TÍTULO DO PRESENTE ARTIGO poderá despertar nos leitores um misto de estranheza e de curiosidade. Na base desta atitude está o facto de a relação das mulheres com a guerra sempre se ter pautado, ao longa da história, por uma certa “invisibilidade”, excepcionalmente interrompida por uma participação directa de algumas em conflitos militares. Trata-se sobretudo de mulheres heroínas, que tomadas de uma inaudita coragem individual, ousaram desafiar a sua condição “feminina”, pois ocasionalmente integraram forças ou exércitos organizados. Na verdade, em quase todas as sociedades, antigas e modernas, a mulher sempre foi associada à paz, estereótipo que teve o efeito de confirmar o seu estatuto de não combatente. Inversamente, a guerra sempre foi uma tarefa masculina, identificando-se o homem com a figura não do guerreiro, mas do “guerreiro justo”.

Ainda relativamente ao título, a sua singularidade torna-se ainda mais saliente, quando verificamos que, regra geral, as mulheres foram igualmente esquecidas pelos historiadores, uma vez que, até bem recentemente, a escrita da história se ocupou de conquistas e de revoluções, de estratégias militares e políticas, de batalhas e de tratados de paz, amplas galerias de heróis, em que ocasionalmente figuram as mulheres.

É neste cenário de rarefacção feminina na guerra e na historiografia que maior notoriedade alcançam as protagonistas deste artigo. Pela sua exemplaridade, estas mulheres conseguiram captar a atenção e a admiração dos cronistas portugueses de quinhentos, rendidos não às suas capacidades beligerantes, mas também retóricas, despertadoras dos ânimos esmorecidos dos combatentes. Neste particular, sobressaem as defensoras de Diu, epíteto que evidencia o comportamento mobilizador de algumas mulheres durante os assédios turcos à fortaleza de Diu em 1538 e 1546. Com as suas curtas arengas durante o fragor das pelejas, desafiando a sorte dos projécteis inimigos, resgataram muitos soldados para a luta, impedindo, desta feita, o assalto turco aos baluartes lusos. No âmbito retórico, ainda a considerar a extensa arenga de Njai Tjili, rainha de Ternate, exortando os seus conselheiros a rebelarem-se contra a presença dos portugueses naquela ilha.

Ao todo, identificámos onze discursos militares proferidos por mulheres na historiografia portuguesa de quinhentos, relacionados com acontecimentos bélicos passados no Oriente. Procuraremos ao longo deste artigo identificar os contextos narrativos em que se inserem, caracterizar as respectivas oradoras, assim como destacar os tópicos retóricos mais recorrentes.

 

2.               À mulher não deu a natureza o dom de comandar

 

Este aforismo de Menandro (157 Jäkel) demonstra como, no mundo antigo, a subalternidade feminina era uma evidência face ao poder decisório do homem. Para além desta referência, encontramos, ainda na literatura grega, outras semelhantes que confirmam a visão inferior e doméstica da mulher. Por exemplo, Iscómaco no Económico de Xenofonte (7.22-24) enumera as tarefas bem distintas e complementares de ambos os géneros, declarando que os deuses deram ao homem a resistência física necessária para suportar o frio e o calor, as longas marchas e as expedições militares, enquanto, à mulher, foi concedida uma natureza adaptada ao recolhimento do gineceu, às funções domésticas e à educação dos filhos:

 

E uma vez que tanto o interior e as tarefas ao ar livre exigem trabalho e atenção, Deus, desde o primeiro dia, adaptou a natureza da mulher, penso eu, para o interior e a do homem para as tarefas ao ar livre e cuidados. Porque ele fez o corpo e a mente do homem mais capazes de suportar frio e calor, viagens e campanhas, assacou-lhe as tarefas ao ar livre. Para a mulher, que ele fez o seu corpo menos capaz de resistência, eu entendo que Deus lhes atribuiu as tarefas internas.[1]

 

Porém, se o nosso exame se tornar mais fino, podemos encontrar aqui e ali, exemplos de que nem todas as vozes femininas se terão limitado a um papel de submissão. Plutarco (Moralia 185 d) apresenta um revelador comentário sobre Temístocles: como general dos Atenienses (os mais poderosos dos helenos), grande era a sua autoridade, mas maior ainda era a que a sua esposa exercia sobre ele, que o filho de ambos poderia afrontar:

 

Do seu filho, que dominava a sua mãe, e através dela sobre si mesmo, disse ele, zombeteiramente, que o menino era o mais poderoso de todos os helenos: enquanto os helenos foram comandados pelos atenienses, os atenienses por ele mesmo, ele próprio pela mãe do menino, e a mãe pelo seu filho.[2]

 

Se o rigor da análise prosseguir, vamos descortinando que a literatura histórica grega acolhe, a espaços, casos de mulheres que não individualmente tiveram ascendência sobre os respectivos consortes, como também, através da oratória, dominaram largas assembleias político-militares constituídas por homens, assim como exemplos de mulheres que comandaram exércitos em acérrimas batalhas. De uma maneira fugaz, recordaremos, de seguida, algumas dessas heroínas guerreiras.

As Amazonas assumem-se, possivelmente, como o mais conhecido arquétipo de mulheres guerreiras. Embora os dados concretos sobre a sua existência não sejam de todo indiscutíveis, o certo é que elas gozam de várias referências em diferentes géneros literários, tanto gregos como romanos, sendo igualmente objecto de representação na arte grega. Ainda que derrotadas nos confrontos com os gregos, seus principais opositores, a eles eram comparadas em coragem e em destreza militar. Conta-se que para tornarem mais fácil o manejo das armas, estas mulheres, que habitavam um estado exclusivamente feminino,[3] removiam um seio (normalmente o direito) queimando-o ou cortando-o.[4] A equiparação da bravura destas mulheres à dos homens está bem patente nas palavras de Príamo a Helena, quando este rememora o dia em que viajou até à Frigia cheia de vinhas e chegaram as Amazonas, iguais dos homens.[5] O mesmo epíteto volta a ser repetido na Ilíada, quando Glauco conta a Diomedes a sua linhagem, declarando que procede do coríntio Belerofonte, herói que matou tanto a terrífica Quimera, como abateu as Amazonas, iguais dos homens.[6]

Entre as Amazonas, sobressai o nome da rainha Pentesileia, filha de Ares, que terá participado na guerra de Tróia como aliada dos troianos. Quinto de Esmirna, nas Posthoméricas, oferece-nos um retrato impressivo desta mulher guerreira, desafiando os gregos em combates sucessivos, vindo apenas a morrer às mãos de Aquiles. O próprio herói ficou surpreendido com a destreza e a beleza desta mulher, sofrendo remorsos pela sua morte (1.911 ss.):

 

E o próprio coração de Aquiles se oprimiu de remorso por ter matado algo tão doce, alguém que ele poderia ter carregado para casa, sua noiva majestosa; pois ela não tinha nenhuma mácula, era uma verdadeira filha dos deuses, divinamente alta e mais divinamente bela.[7]

 

A matizada descrição da armadura de Pentesileia, orientada para evidenciar a beleza feminina sobre um fundo militar e varonil, é a todos os títulos notável e não poderíamos passar sem aqui a incluirmos (1.173 ss.):

 

Ela ergueu os seus ombros naquela armadura maravilhosamente moldada, oferecida por Ares, deus da guerra. Primeiro amarrou sob os joelhos de prata brilhante as grevas douradas, apertando-as sobre os fortes membros. O seu corpete radiante como o arco-íris a envolvia e, em volta dos ombros, se dependurava, com glória no seu coração, a extensão brilhante de uma bainha para a espada feita de marfim e de prata. Em seguida, ergueu o seu esplêndido escudo como nenhum outro na terra (…). Assim ela brilhava indescritivelmente bela. Então, colocou na cabeça o brilhante elmo repuxado com pêlos dourados de uma égua selvagem. Assim se ergueu, saltou com a flamejante armadura, assemelhando-se a um raio… Em seguida, passando diante do seu pavilhão com uma pressa calorosa, arrebatou dois dardos com a mão em que levava o escudo e, com a mão direita, agarrou com força uma enorme alabarda, afiada, de lâmina única, dada pela terrível Éris à filha de Ares, para ser arma titânica na batalha que ceifa as almas dos homens.[8]

 

 


Também na Eneida, a mesma heroína captou a atenção do poeta, que, embevecido, descreve também a beleza da mulher guerreira, conduzindo os esquadrões das Amazonas para atacar os Aqueus:

 

Pentesileia conduz os esquadrões das Amazonas, com os seus escudos em forma de lua, plena de furor bélico, fulgurante no meio de milhares, atando o cinturão dourado sob a mama desnudada, aguerrida, a donzela ousa combater contra homens.[9]

 

Por seu turno, em Heródoto encontramos duas rainhas, insignes estrategas militares, vindas do mundo “bárbaro”. Estas rainhas viúvas ocupam na narrativa de Heródoto um lugar axial na prossecução dos acontecimentos, pois os seus avisos assumem uma dimensão trágica no futuro trágico de Ciro como no de Xerxes.[10] A primeira monarca a surgir em cena é Tómiris, rainha dos masságetas. Depois de conquistar Babilónia,[11] Ciro prepara uma campanha para submeter Masságeta. Não cumpre aqui desfiar todas as peripécias que envolveram essa conquista, mas tão-só evidenciar o papel da oponente de Ciro, sobrevalorizado por Heródoto para ombrear com a grandeza do Imperador dos Medos e dos Persas. Depois de um plano de guerra proposto pela soberana a Ciro, que redundou numa vitória parcial das tropas de Tómiris, os masságetas acabaram por sofrer um massacre com a tomada de reféns, entre os quais se encontra Espargapises, filho da rainha. Embora instando Ciro, a libertá-lo, o jovem toma a decisão de cometer suicídio. É então que a rainha arma um exército e se apresta para executar tragicamente o destino de Ciro. De facto, a chacina persa é completa e nela perece o mesmo Ciro. Para aplacar a sede de vingança pela morte do filho, num episódio pleno de dramatismo, Tómiris sacia o cadáver de Ciro com sangue, ele que era um homem sôfrego de sacrifícios humanos, de tal maneira que o seu epíteto era de Ciro, ávido de sangue (1.212). Pelo seu patetismo, vejamos o acto selvagem de Tómiris:

 

Tómiris encheu um odre de sangue humano e mandou procurar, entre os Persas mortos, o cadáver de Ciro; quando o descobriu, mergulhou-lhe no odre a cabeça e, enquanto assim ultrajava o morto, dizia: «Apesar de eu estar viva e ter saído vitoriosa do combate, tu liquidaste-me no momento em que me capturaste o meu filho numa cilada; mas a ti, sou eu que, para cumprir a ameaça que te fiz, te vou saciar de sangue».[12]

 

 

 

Terminada a descrição, Heródoto declara que existem várias versões da morte de Ciro, mas ele tomou esta como a mais credível. Ou seja, é às mãos de uma mulher que tomba o poderoso Imperador de Medos e Persas, o conquistador de Babilónia. De facto, em toda esta narrativa, Tómiris eleva-se pela sua segurança, oposta à fraqueza do seu opositor. A indomável vontade imperialista de Ciro não lhe permitiu descortinar a subtileza verbal de uma mulher.[13]

Tempos depois, eis que o jovem monarca Xerxes se sente compelido a tornar- se igual aos seus antepassados persas. Vai dilatando as fronteiras do seu território, até que decide marchar contra a Hélade, preparando, em simultâneo, forças terrestres e navais, dignas de um déspota oriental. Cabe a uma aliada figura real feminina, a tarefa de chefiar as naves, chamada Artemísia, originária de Halicarnaso, tal como Heródoto. Sobrepôs-se, em habilidades, aos outros chefes militares, nomeadamente pela coragem e pela audácia viril (7. 99), pelo acerto do seu conselho que a conduz aos campos de batalha. Além da virilidade revelada na guerra (8. 87-88) é igualmente valorizada pelo papel retórico que exerce junto de Xerxes (8. 67-69, 102-103). Ao aproximar-se o combate naval, Xerxes reúne uma assembleia para saber a opinião dos aliados sobre a iminência do ataque. Todos se decidem favoravelmente, menos Artemísia, qual voz da razão, ousa opor-se à maioria, baseando-se no argumento racional de que o inimigo possuía mais homens, defendendo, por isso, uma intervenção apenas terrestre sobre o Peloponeso. Por esta intervenção, se evidencia o seu pensamento de estratega militar, ao optar apenas por uma batalha terrestre face à inferioridade das forças navais persas relativamente às dos atenienses. Admirada por uns e invejada por outros, a sua decisão virá a ser preterida, acabando por se consubstanciar o desastre de Salamina que ela prognosticara, batalha, aliás, em que comandou cinco navios.

Todas as heroínas apresentadas até agora surgem com qualidades mais próprias dos homens devido ao seu desempenho guerreiro, sendo, certamente, uma forma dos historiadores sublimarem as respectivas actuações.[14] Não cumpre, porém, recordar todas, ou sequer uma parte, das mulheres que, na Antiguidade, assumiram papéis guerreiros, tradicionalmente executados por homens. Estes curtos exemplos têm apenas a finalidade de demonstrar que algumas mulheres foram militarmente decisivas em confrontos militares. Embora se deduzam capacidades oratórias nestas heroínas, requisito necessário para comandarem soldados, a verdade é que nem a épica nem a historiografia gregas facultam qualquer arenga proferida por uma mulher.[15]

É na historiografia romana que encontramos os dois primeiros exempla de alocuções militares femininas, ou mais rigorosamente, duas versões da mesma arenga, segundo dois autores distintos: Dião Cássio (H.R. 62.2.5) e Tácito (Ann. 14.35.1-2), proferida antes da Batalha de Watling Street, no ano 61.[16] Com esta batalha, os romanos procuravam debelar a rebelião dos icenos liderados por Boudicca, como retaliação contra as atrocidades cometidas pelos romanos na Britania. Foi, pois, nos momentos prévios desta decisiva batalha, que conglomerava dezenas de milhar de soldados de cada lado, Boudicca arengou às tropas.

Por ser mais breve, optamos por comentar a arenga inscrita na obra de Tácito (Ann. 14. 35. 1-2), em detrimento da longa alocução que nos proporciona Dião Cássio.[17] Ora, o engarce inicial fornece-nos logo informação relevante para a classificação tipológica da sua alocução (Boudicca curru filias prae se vehens, ut quamque nationem accesserattestabatur), ou seja, movimentando-se num carro, arengava especificamente a cada povo de que se ia acercando, uma vez que seu numeroso exército era uma reunião de diferentes tribos. Do ponto de vista tipológico, trata-se, portanto, de uma epipólesis prévia à batalha, pois aqui uma inequívoca presença da fórmula deste tipo de alocução que congrega um verbo de movimento (curru…accesserat), reforçado pela menção de que a deslocação era feita num carro, bem como por um verbo de tipo declarativo (testor).[18] Uma nota ainda para o facto de Boudicca transportar no carro as suas duas filhas (filias prae se vehens).

No seu discurso é possível identificar três momentos que correspondem à organização retórica básica. No exordium, a rainha procura captar a vontade dos ouvintes para aquela causa, declarando que ainda que eles estivessem habituados a combater sob as ordens de uma mulher (solitum quidem Britannis feminarum ductu bellare) ela não estava ali por razões materiais ou honoríficas (regnum et opes), mas tão-só como uma simples cidadã do povo (verum ut unam e vulgo), vingar a liberdade perdida (libertatem amissam) e vingar a honra perdida das suas filhas ultrajadas (contrectatam filiarum pudicitiam ulcisci), pois as jovens haviam sido objecto de estupro. Com esta argumentação, a rainha iguala-se à condição dos que a ouvem, pois muitos deles teriam razões similares para se vingarem do jugo romano. Ela não reivindica riquezas, mas justiça.

 

 

Estando todos do mesmo lado da barricada, entramos na tractatio do discurso, momento em que a rainha procura instruir o auditório. A sua fundamentação retórica centra-se em torno do topos do iustum, começando por recordar toda a espécie de impiedades cometidas pelos inimigos. Em face de tais atrocidades, os deuses oferecem uma justa vingança (adesse tamen deos iustae vindictae), e para demonstrar esse apoio bem como a decorrente possibilidade de vitória, Boudicca recorda vitórias recentes, (cecidisse legionem, quae proelium ausa sit), enquanto os restantes se escondem nos seus acampamentos ou estudavam a fuga (ceteros castris occultari aut fugam circumspicere). E para gerar confiança nos seus, declara-lhes que os romanos não suportarão nem o estrépito, nem o clamor de tantos milhares de homens, e menos ainda o seu ímpeto e o dos seus golpes (ne strepitum quidem clamorem tot milium, nedum impetus et manus perlaturos).

Depois de devidamente instruídos, chegamos à peroratio do discurso, cuja finalidade é mouere as tropas para a batalha. O topos empregado é o mais parenético de todos, o ultimum ac maximum telum, assim definido por Tito Lívio, uma vez que é capaz levar os soldados a alcançar vitórias impossíveis, sempre que se mentalizem de que na vitória reside a salvação. Dirigindo-se aos bretões, insta-os, dizendo que naquele combate é necessário vencer ou morrer (vincendum illa acie vel cadendum esse). Encerra o discurso com uma provocação aos homens, dizendo-lhes que ela, como mulher, estava pronta para a batalha e eles, desejavam viver ou ser escravos? (id mulieri destinatum: viverent viri et servirent).

 

O tópico da mulher guerreira, desempenhando um papel tradicionalmente masculino, encontrou também na historiografia medieval um ambiente propício para a sua continuidade. Um dos autores desta época é Jean Froissart (1337-1405), a quem se deve a mais pormenorizada descrição da Batalha de Aljubarrota, apresenta nas suas Crónicas, um interessante exemplo de recepção não da arenga militar feminina, como de um tipo discursivo cuja origem remonta à épica homérica, a epipólesis. Assim, em 1346, integrada na Guerra dos Cem Anos, ocorreu a batalha de Neville’s Cross entre escoceses e ingleses. Os primeiros, aproveitando a ausência do rei, Eduardo III, em campanha na França, invadiram o norte de Inglaterra com um exército de 12.000 homens. Embora surpreendidos, os ingleses reuniram as tropas possíveis para se oporem aos invasores. Com os exércitos à vista um do outro e na ausência do rei, seu marido, a rainha Philippa avançou por entre os quatro batalhões ingleses (The queen now advanced among them, and entreated them),[19] exortando os combatentes a cumprirem bem o seu dever, na defesa da honra de seu senhor e rei, rogando-lhes ainda que, por amor de Deus, lutassem varonilmente. Do ponto de vista tipológico, estamos diante de uma epipólesis, discurso em que uma combinação de movimento com exortação, pois a rainha anima as tropas ao mesmo tempo que se movimenta entre as alas do exército em formatura. Como arquétipo deste tipo de arenga, temos a longa epipólesis de Agamémnon no Canto IV da Ilíada, discurso que acaba por se identificar melhor com o herói homérico. Foi, certamente, através do poema homérico ou por meio da sequente historiografia greco-latina, que Froissart terá assimilado este tipo de discurso.

De notar ainda que uma das iluminuras que acompanham o texto de Froissart, representa uma distinta mulher montada num cavalo diante do exército em formatura. O texto tem como legenda Queen Philippa haranguing her troops before The Battle os Neville’s, facto que nos permite inferir que esta epipólesis terá sido proferida a cavalo.

 

Fig. 1 Iluminura 13 de Froissart

 

Para além dos nomes das heroínas aqui apresentados, outras que,[20] desde a Antiguidade até aos nossos dias, ficaram literária ou lendariamente consagrados, como Joana d’Arc, que, além do epíteto de guerreira, é tida também como santa e bruxa.


Depois de todos os exemplos vistos de mulheres guerreiras e condutoras de homens, é lícito questionar o conteúdo do verso de Menandro: à mulher não deu a natureza o dom de comandar?

 

 

 

3.               Heroínas portuguesas quinhentistas e a ars scribendi historiae

 

Como acabámos de ver, ao chegarmos ao século XVI, vários são os exemplos de mulheres cuja historiografia europeia havia distinguido por, em determinado momento, terem ousado ir além do papel que tradicional e culturalmente lhes estava confiado, usurpando, pelo destino ou pelo génio, funções masculinas. Ora, os autores portugueses de quinhentos não ficaram à margem desse fenómeno pan- europeu e entreviram a oportunidade de emularem, particularmente, as mulheres que, de um modo decisivo, tinham intervindo na defesa da fortaleza de Diu, durante os cercos de 1538 e de 1546. Era esta a almejada ocasião para os historiadores e poetas não alcandorarem também as mulheres à categoria dos heróis, galeria em que figuravam vários homens, como era, sobretudo, a oportunidade para essas mesmas heroínas superarem todas aquelas cuja historiografia e tradição tinham consagrado.

Com efeito, se nas literaturas e história europeias figuravam exemplos de mulheres guerreiras, para além das citadas heroínas de Diu, também na história portuguesa, até ao século XVIII, não faltam casos de mulheres de estirpe bélica, como assegura uma obra de 1734, intitulada Portugal illustrado pelo sexo feminino, noticia historica de muytas heroinas portuguesas, que florescerão em virtude, letras e armas, cujo autor, Diogo de Azevedo, apresenta uma lista de 49 mulheres que se notabilizaram pelos feitos de guerra praticados, desde o tempo dos romanos até ao século XVIII.[21] Depondo a fraqueza do seu sexo, estas mulheres aparecem na defesa do seu património, na luta contra os castelhanos, nas conquistas ultramarinas, particularmente nos cercos infligidos às praças portuguesas em África e na Índia, assim como em revoltas populares.

Do ponto de vista estritamente literário, assistimos não à manifestação, mas sobretudo à exaltação das virtudes guerreiras destas mulheres, como forma de sublinhar a excepcionalidade das circunstâncias em que intervieram. As suas participações ocorrem maioritariamente em situações extremas, de perigo iminente para a independência nacional. A urgência de actuação sanciona a eclosão destas personagens e legitima a transgressão das fronteiras do seu sexo e os códigos na relação de género: assistimos a mulheres de ânimos varonis, a mães que sacrificam os filhos, a mulheres que suspendem a sua feminilidade para defenderam os mais altos valores da e do império.[22]

De entre esse universo feminino, cumpre, neste momento, focar-nos apenas naquelas mulheres que a historiografia quinhentista imortalizou, não tanto pelas façanhas alcançadas, mas sobretudo pelas decisivas exortações militares que produziram no decurso das acções bélicas em que intervieram. Quer num, quer noutro aspecto, à cabeça de todas, encontramos, como anunciámos, as defensoras de Diu, epíteto que sintetiza as qualidades de bravura evidenciadas durante os cercos de 1538 e 1546, à cidadela de Diu, equiparáveis ao valor das mitológicas amazonas.[23] Várias são as referências histórico-literárias coevas a estas mulheres, de tal maneira que alguns textos se assumem como verdadeiros encómios. Sob este ponto de vista, Leonardo Nunes escreveu uma das mais admiráveis páginas da historiografia portuguesa, na Crónica de D. João de Castro. Segundo o cronista, testemunha dos acontecimentos de Diu, não é por escassez de feitos, mas sim pela míngua de eloquência e de fecundidade do autor, que a fama das mulheres portuguesas não supera a das mulheres da Antiguidade. Oh! não possuir a verve de Cícero, rei da eloquência:

 

E as virtuosas e varonis mulheres eram as que sustinham o serviço de acarretar terra para os entulhos e de dar panelas de pólvora aos homens que pelejavam nos muros e de lhes aguar os pés com grandes gameladas de água para que os não abrasasse o fogo das panelas da pólvora dos mouros, que eram infinitas. E algumas eram às vezes bem chamuscadas e custava-lhes o serviço muitas chagas do fogo e muitas pedradas na cabeça e muitas frechadas nas pernas e nos braços. E o que de mais admiração era que, assim feridas e queimadas, não deixavam de servir, até que a fraqueza humana, minguamento das forças, lhes não tolhia, como eu vi em muitas delas. Oh, quem pudera ser tão fecundo e eloquente como aquele Cícero, rei da eloquência, para fazer festa a suas honras e louvores e para pôr seu preço e coroa por cima de todas as outras mulheres, para se calarem as Sabinas e as do contrário campo de Mário e as persas que que fizeram tornar as bandeiras de Ciro contra os feridos contrários e a mui negativa Tómiris, porque acharam outras mais esforçadas que elas! E aquela meia tancada mãe de Nino, que tinha o nome da falsa desculpa do materno pecado, achara mui gentis e avantajadas companheiras de sua valentia e muito mais virtuosas que ela. Mas sou tão rude que não ouso de dizer mais, senão que fizeram serviço digno de ser tido por tal e muito grande de tão bom rei e senhor como Deus nos deu.[24]

 

 

 

Este lamento de Leonardo Nunes é altamente significativo, pois revela a concepção que na época se fazia do que devia ser uma obra histórica e que Damião de Góis sintetizou claramente, ao declarar que o relato dos feitos dos grandes senhores “requere alto stylo descrever, grãde ornamento de lingoagem, sotil e discreto artificio rhetorico”.[25] Quer dizer, tal como no passado clássico, também agora no Portugal do Renascimento, a obra histórica passou a ser entendida não apenas como um meio de preservar o passado, mas sobretudo como uma “composición literaria elevada y erudita, en la que juegan un papel destacado la retórica y los diferentes procedimentos de imitación e intertextualidad”.[26]

Efectivamente, com o relato dos feitos históricos, os historiadores procuravam não preservá-los da corrupção do tempo, mas também instruírem e deleitarem os leitores coetâneos, valendo-se, para o efeito, de certos e determinados mecanismos retóricos, entre os quais se contam as descrições de batalhas e os discursos pronunciados em contexto bélico: as arengas militares.

 

4.               A arenga militar

 

Objectivamente, podemos, pois, afirmar que, em Portugal, no século XVI, se conjugaram todas as condições favoráveis e propiciadores para que as arengas militares, de diversos tipos, pudessem historiograficamente emergir no seio das narrativas dos feitos. Em primeiro lugar, não escasseou a temática histórica fundamental, a guerra, para enquadrar cenicamente a arenga militar. Em segundo lugar, não faltaram os historiadores de sólida formação histórica e humanista, conhecedores da tradição retórico-literária, enformadora de um discurso tão característico, como a arenga militar. Alguns desses autores, além da erudição, souberam ainda cumulativamente tirar partido da experiência militar havida em África ou no Oriente, cumprindo o ideal renascentista de terem empunhado, à vez, tanto a espada, como a pena. Finalmente, em terceiro lugar, não mingou o ensejo desses historiadores de colocarem na boca dos protagonistas da época, discursos militares retoricamente elaborados, num tentativa declarada de os elevar à condição de heróis, de maneira a poderem ombrear e até superar os homónimos da Antiguidade clássica, tal como afirma de Leonardo Nunes, a propósito das heroínas de Diu.

Por tudo isto, a arenga militar é um dos discursos mais característicos não da historiografia, como da épica portuguesas de quinhentos, sendo ainda possível confirmar a sua presença na poesia de inspiração neolatina.[27] Onze são as arengas proferidas por emissoras femininas, a maioria (7) oriundas das Décadas da Ásia de Diogo do Couto, assim como (3) nas Lendas da Índia de Gaspar Correia e ainda (1) no Livro Primeiro do cerco que os Turcos puseram à fortaleza de Diu de Lopo de Sousa Coutinho.

Comecemos por fazer um levantamento das expressões que, nos engarces iniciais, caracterizam directamente estas protagonistas.

 

 

 

4.1.          Caracterização das protagonistas

 

Várias são as expressões empregadas pelos narradores/historiadores para evidenciarem o comportamento bélico e também retórico destas valorosas mulheres, nos contextos prévios à inclusão das respectivas alocuções. Na obra de Diogo do Couto, encontramos os termos técnicos mais adequados à realidade militar em que evoluem estas mulheres, sendo colectivamente designadas pelo exercito das matronas[28] ou o pelo esquadrão feminino[29] podendo ainda ser apresentadas como as honradas matronas[30] termo que remete para a história de Roma, mas também para a condição destas mulheres, casadas a maioria, cujos filhos e maridos andavam pelos baluartes da fortaleza combatendo os rumes. Não ficam, porém, todas estas mulheres diluídas sob a massa do colectivo, que os nomes de algumas são perfeitamente identificados e consagrados para a posteridade. Uma das mais interventoras era Isabel Fernandes, velha, que se imiscuía nos epicentros das lutas, exortando os combatentes portugueses e metendo na boca dos mais fracos, alguma guloseima que trazia escondida no seu seio. De igual modo, Isabel da Veiga, casada com hum bacharel de medicina[31] e Anna Fernandes, cujos annos e idades eram mais pera repouso que pera aquelles trabalhos[32] se metiam no meio dos que pelejam e levantavam as vozes, esforçando todos. ainda uma Catarina Moreira que, vestindo trajos de homem e com uma chuça nas mãos, numa tentativa de se confundir com a turba, foi ao centro da peleja, incentivar os combatentes. Nisto, deram-lhe com uma espingarda nas costas, prostrando-se ao chão. Rapidamente, se levantou, dizendo Non he nada. E se foy curar. Antes desta intervenção de Catarina Mendes, o narrador/Gaspar Correia faculta-nos uma imagética descrição de uma outra mulher, que, embora anónima e turca de nascimento, casara com um português, Rafael Lourenço e lutava, agora, ao lado dos lusíadas contra o seu antigo povo. Ora, esta mulher, cobrindo-se com as vestes de seu marido e colocando um capacete na cabeça, sacou de uma lança e de uma espada e se foi ao local onde pelejava seu marido, exortando os que ali estavam. Pelo dramatismo da situação e pelo saboroso da descrição, aqui a transcrevemos:

 

Huma molher casada com hum Rafael Lourenço, que primeiro fora turqua, se vestio nos vestidos de seu marido, e pôs huma espada na cinta e hum capacete na cabeça, e com huma lança nas mãos se foy ao muro onde estava seu marido, dizendo…[33]

 

Nomeadas ou anónimas, sobressai em todas o heroísmo e o voluntarismo que imprimem nas suas intervenções exortativas exaladas todas durante os conflitos militares ao redor da cidadela de Diu.

 

4.2.          Tipologia discursiva

 

Como acabámos de dizer, todas as alocuções das defensoras de Diu são proferidas no meio dos combates. Ora, no corpus cohortationum quinhentista, depois da arenga proferida diante de uma assembleia de tropas (Tipo 2), o presente tipo de arenga, pronunciada durante o fragor de uma batalha (Tipo 5), é o segundo mais frequente no género historiográfico, atingindo mesmo o primeiro posto na épica.[34]

Estes dados permitem-nos aduzir que o dramatismo inerente às arengas proferidas durante um combate seduziu grandemente tanto os historiadores como os poetas, partilhando ambos a finalidade de mouere e delectare os seus leitores e ouvintes. Com efeito, a especificidade deste tipo de discurso relativamente aos restantes, prende-se com o facto de ser pronunciado no momento em que decorre uma batalha, estando, portanto, integrado num episódio bélico caracterizado pelo dinamismo, pelo dramatismo e pelo patetismo. Por estas razões, as descrições de batalhas se tornaram altamente sedutoras para autores antigos e renascentistas, de maneira que a alocução inserta no meio do recontro guerreiro vem acrescentar tensão dramática a um episódio de si suficientemente dramático. Neste sentido, este tipo de arenga está intimamente conectada à diegese que lhe está tanto a montante como a jusante.

 

Assim, pois, este tipo de arenga não pode, como acabámos de dizer, ser dissociado da descrição da batalha em que vem inserido, facto que ajuda a compreender melhor a sua altíssima frequência nas obras literárias constantes do corpus. Recordemos, entretanto, que na Antiguidade, as descrições de batalhas serviam perfeitamente o propósito narrativo-descritivo dos historiadores condensado na definição de história proposta por Cícero no Orator (20.66): in qua et narratur ornate et regio saepe aut pugna describitur. Como se vê, para o Arpinate, a obra histórica devia apresentar um carácter narrativo-descritivo e não narrativo. Quer dizer, o historiador não se devia limitar a narrar os feitos, mas também deveria expor perante os olhos do público situações e personagens.

Ora a eficácia (enárgeia) das descrições estava estritamente ligada à capacidade de o historiador descrever eficazmente as emoções que produziam efeito sobre o público, entendida essa competência como uma virtude do historiador e da obra histórica,[35] desde que não usada em excesso. Assim, os escritores portugueses de quinhentos, bebendo dos clássicos, muniram-se também da retórica e elaboraram não uma reconstituição espectacular dos feitos históricos, como ainda descreveram as cenas de batalha de uma forma eficaz e impressionante, exercendo, deste modo, influência sobre o público-leitor, ao mesmo tempo que exaltavam o carácter valoroso dos seus protagonistas. Na verdade, as descrições épicas e dramáticas das batalhas possibilitaram que os historiadores desenhassem o carácter heróico das personagens intervenientes e, em última análise, exaltassem o patriotismo desses mesmos heróis e destas insignes mulheres de Diu.

Ora, dez (10) são as arengas proferidas pelas heroínas de Diu, enquanto decorriam os combates de assédio àquela fortaleza do Oriente, seis (6) delas pronunciadas pela emissora-oradora de forma estática, inserindo-se, portanto, no Tipo 5 de arengas de acordo com a tipologia proposta por Carmona Centeno et al. (2008:537) para a historiografia greco-latina. Os excertos que a seguir transcrevemos, evidenciam o dramatismo e heroísmo que envolvem as suas intervenções retóricas. No primeiro exemplo, a sucessão de orações justapostas transmite-nos o labor incansável do esquadrão feminino, cumprindo diversas tarefas a um mesmo tempo, sobressaindo a boa Isabel Fernandes, que, desafiando a sorte, se foi meter no meio da peleja, a fim de dar ânimo aos militares em acção:

 

O esquadrão feminino desamparando as casas, se foram ao baluarte pera nelle morrerem em companhia daquelles esforçados defensores, e dos caros consortes que alli tinham, levando sobre suas cabeças pólvora, pedras, e outras cousas pera offenderem aos inimigos, mettendo-se no meio dos que pelejavam com ânimos varonis, e animando aos que pelejavam. A boa Isabel Fernandes com huma chuça nas mãos se metteo no meio daquelle conflicto, dizendo…[36]

 

O narrador/Lopo Coutinho, no engarce final da exortação de Ana Fernandes, exalta o alento que esta incansável mulher dava a todos, tanto aos que lutavam, como aos que eram feridos, nunca abandonando o lugar da peleja:

 

E assi bradando e esforçando a todos, nam se tirando do lugar da peleja, prevalecia e convocava a todos: e o que caya morto ajudavao a affastar: e ao ferido apertava a ferida: e se era pequeno dizialhe que tornasse a pelejar que nam era nada.[37]

 

De acordo com os números acima apontados, quatro (4) dos discursos femininos são proferidos em movimento, ou seja, quando estas honradas mulheres percorrem os diferentes locais onde se peleja, ora animando a todos, ora a cada um em particular. Estamos, portanto, a falar de epipólesis pronunciadas durante os confrontos militares. Falamos de epipólesis sempre que no engarce prévio da alocução existe uma inequívoca conjugação de movimento e de exortação por parte do emissor-orador. Ora, é precisamente a repetição sistemática da combinação de exortação com movimento que, ao longo da historiografia greco-latina, leva Carmona Centeno[38] a propor a existência de uma verdadeira “fórmula introdutória” da epipólesis. Segundo este investigador, a opção pela designação de “fórmula” advém do facto de que a epipólesis se anuncia, com regularidade e de forma repetida, pelo menos, por meio do recurso a dois verbos: um verbo de acção que implica movimento e outro de carácter exortativo ou declarativo.

Ora temos o exemplo de Isabel Fernandes que corria todos os baluartes da fortaleza e animava os soldados a toda a parte a que chegava. Temos, portanto, movimento e exortação:

 

 

A velha Isabel Fernandes corria os baluartes com seus bolos, e bocados doces, esforçando a todos, acudindo aos fracos com aquella refeição, mettendo-lha nas bocas por não desoccuparem as mãos, que estavam offendendo aos inimigos, alevantando a voz a toda a parte a que chegava, pera que todos a ouvissem, pera se della quizessem alguma cousa, a dar, dizendo (…).[39]

 

Isabel Fernandes protagoniza ainda outra epopólesis, que, de chuço na mão, peleja e acorre a animar os mais fracos, metendo-lhes na boca algum doce que trazia consigo:

 

As honradas matronas não faltaram aqui, porque em todos os assaltos tiveram sempre cuidado de acudirem ao baluarte, e andavam antre os que pelejavam, mettendo-lhes nas mãos panellas de pólvora, e dando-lhes todas as mais cousas que eram necessarias, e que se pediam, porque se não tirassem dos seus lugares; tanto que hum cahia, era tirado por ellas, e levado a curar. A boa Isabel Fernandes andava com huma chuça nas mãos, e com o seio cheio de seus bocadinhos, humas vezes pelejando, outras animando todos, e aos que via fracos acudia-lhes com seus mimos, mettendo-lhos na boca, dizendo ...[40]

 

 

 

4.3.          Cena típica do estandarte

 

Carmona Centeno,[41] em artigo de fundo, abordou amplamente a exemplaridade e as funções da cena típica do estandarte na historiografia romana. Para este investigador, os historiadores gregos e latinos que escreveram sobre os acontecimentos bélicos de Roma, fazem da guerra o grande escaparate da virtus romana, evidenciada em momentos das batalhas por diferentes protagonistas, através do cometimento de actos heróicos. Ora, a manifestação dessa heroicidade ou dessa valentia fazia-se, em determinados momentos, pela recorrência à chamada cena típica, recorrentemente utilizada pelos historiadores greco-latinos e cujas componentes essenciais passamos a enunciar:

1.º Um exército romano, tomado pelo medo e pela desconfiança, receia iniciar um combate, ou, no decurso deste, não mostra o valor necessário para a ocasião ou atravessa uma situação periclitante.


 

2                 Confrontados com a situação, um elemento do exército toma um estandarte,[42] podendo ou não proferir uma exortação e, com ele nas mãos, se lança em direcção ao exército inimigo. Em alternativa, em lugar de o transportar, pode simplesmente arremessá-lo para o meio das linhas inimigas.

3                 Ambas as possibilidades alcançam o efeito pretendido, uma vez que o exército reage em força para evitar a perda do estandarte.

Como se observa, é o estandarte que provoca a reacção dos soldados e tal se compreende, porque os estandartes eram verdadeiros objectos de culto, símbolos da religião oficial e da força romanas, de maneira que eram considerados verdadeiros objectos sagrados. A perda de um estandarte representava para o respectivo exército- portador, não uma desonra e uma maldição, como ainda um possível punição pelo acto indigno.

De modo similar, os historiadores portugueses recrearam a cena típica do estandarte, elegendo, para o efeito, um estandarte que fosse ideologicamente comprometido com a religião oficial do estado. Assumindo-se como o novo povo escolhido por Deus para derrubar o Islão e evangelizar o mundo, a grande insígnia portuguesa é necessariamente a cruz de Cristo, estampada nas velas das embarcações que sulcavam os oceanos e presença constante em toda a liturgia do estado.

Em face de tudo isto, é fácil de entender que o estandarte que repetidamente integra episódios de cenas típicas seja, necessariamente, a cruz, o crucifixo, ou representações similares de Cristo. Somos de opinião que os historiadores tinham uma noção, pelo menos tácita, da associação da cruz ao estandarte das legiões romanas. Ao introduzirem as cenas típicas, os cronistas teriam certamente em mente a recriação das cenas típicas dos estandartes dos exércitos romanos, uma vez que tanto os momentos bélicos, como o efeito psicológico provocado pela cruz são similares àqueles que eram despertados pelo arremesso dos signa ou dos vexilla.

Vejamos, agora, quais os componentes básicos que enformam sempre a cena típica da historiografia portuguesa:

1                 Um exército português prepara-se para iniciar um combate decisivo com um exército inimigo, composto por um efectivo militar imensamente superior. Em alternativa, no meio da peleja, o exército atravessa uma situação de enorme dificuldade ou não demonstra o valor exigido para alcançar a vitória.

2                 Confrontado com esta situação, um elemento do exército, mas sobretudo um religioso ou uma mulher, empunha uma cruz e pronunciando sempre uma exortação, se lança no meio das tropas portuguesas ou no epicentro do conflito.

 

Noutras situações, com uma espada na mão, um capitão é o primeiro a arrostar com o inimigo.

3.º Pelo menos, numa situação inicial, estas actuações produzem o efeito pretendido, que o exército ou os elementos visados pela exortação ganham um novo fôlego beligerante.

Ao contrário da cena típica romana, a cena típica portuguesa apresenta sempre uma exortação, do mesmo modo que o estandarte, a cruz tem um efeito psicológico em si: procura que os soldados rememorem que lutam por e com Cristo contra os seus inimigos

Como dissemos, as mulheres, neste caso as de Diu, são protagonistas de algumas cenas típicas. No exemplo seguinte, sem medo dos pelouros e flechas, duas mulheres sobem ao baluarte para esforçarem os que lutam. Acto continuado, Ana Fernandes, levantou à vista de todos, um crucifixo, o estandarte sagrado, animando- os a terem confiança em Cristo que guarda aqueles que pelejam contra os seus inimigos. Embora o engarce final não nos o retorno da exortação, em termos comparativos com situações análogas, é de prever que estas palavras tenham tido uma resposta positiva por parte dos saldados. Atente-se sobretudo da força imagética do verbo arrancar, na oração arrancou de um devoto Crucifixo:

 

Isabel da Veiga, e Anna Fernandes, cujos annos e idades eram mais pera repouso, que pera aquelles trabalhos, subidas ambas ao baluarte, mettidas no meio dos que pelejavam, alevantando as vozes esforçavam a todos. Aqui Anna Fernandes com hum fervor christianissimo, arrancou de um devoto Crucifixo e arvorando-se ao ar, disse: «Ah filhos, que aqui tendes quem vos ha de dar a vitoria: ponde os olhos neste Senhor, que delle vos ha de vir todo o socorro: pelejai, Cavalleiros de Christo, esforçados Capitães, e soldados seus, com muita confiança contra vossos e seus inimigos, que aqui tendes convosco aquelle, que defende, e guarda todas as Cidades, e lugares daquelles, que pelejam por sua Sagrada, e Catholica». Isabel da Veiga tambem pela sua parte fazia outro tanto, tão seguras ambas, e confiantes, que nada lhes dava dos pelouros, e das frechas, que lhes hiam zonindo pelas orelhas.[43]

 

Tomemos, agora, o exemplo seguinte de Gaspar Correia:

 

N’este ensejo veose meter antre a gente huma molher portuguesa, per Nome Anna Fernandes, casada com hum bacharel de medicina, a qual trouxe nas mãos hum retavolo da imagem de Nossa Senhora, bradando: «Ah! Senhores, olhai que Nossa Senhora vos vem aquy secorrer, e ajudar com seu bento filho, per quem vós pelejaes. Esforçay, filhos de Jesu Christo, que elle he comvosco!» E posto que estas palavras nom erão muyto ouvidas, mas vendo a imagem de Nossa Senhora, cobrarão tanto coração que arremeterão com os rumes tão fortemente que os fizerão tornar atrás.[44]

 

Primeiramente, o conflito está tão aceso que os rumes parecem ter ascendência sobre os portugueses. Em seguida, Ana Fernandes mostra aos soldados um retábulo de Nossa Senhora, variante da Cruz e exorta-os a pelejarem sob o Seu patrocínio e o de Cristo. Finalmente, posto que as suas palavras fossem abafadas com o estrépito da batalha, contudo, os combatentes, vendo a imagem, cobraram ânimo, fazendo retroceder os rumes.

Esta é, assim, uma cena típica porque se repete em variadíssimos cenários bélicos, com protagonistas distintos e com resultados semelhantes. Estes recorrentes episódios de cenas típicas foram muito apreciados pelos historiadores portugueses, como anteriormente tinham sido pelos historiógrafos romanos. Na verdade, estas cenas contribuem grandemente para a construção dos caracteres das personagens, concorrendo para a afirmação do seu estatuto de heróis. De facto, por meio destas cenas, os leitores não vêem estes protagonistas a praticarem acções de bravura, como ainda ouvem as suas palavras plenas de valentia, de optimismo, de patriotismo, de sentido do dever, de maneira que a cena típica do estandarte é um poderoso mecanismo retórico que reforça o ethos de cada um dos heróis em geral e, no caso, das defensoras de Diu.

 

4.4.          Argumentatio

 

Pelos exemplos que tivemos oportunidade de apresentar, ficou patente que os discursos das defensoras de Diu, produzidos durante os vários combates que envolveram os dois assédios à fortaleza, apresentam uma reduzida extensão, pois, o fragor e a azáfama inerentes à guerra, limitam não a sua amplitude, como a respectiva profundidade argumentativa. De maneira que estes são discursos breves, de alto conteúdo parenético, marcados por um ou dois topoi retóricos e por concisas sentenças. Decorre daqui que, do ponto de vista estrutural e organizativo, estas arengas se concentram, exclusivamente na componente exortativa (paraínesis), estando ausente a componente instrutiva (didaché), de acordo com o modelo proposto por Tucídides, imitado e adaptado pelos historiadores subsequentes.

Assim, estas mulheres, quando iniciam as suas intervenções, dirigem-se através de uma fórmula retórica quem tem por objectivo captar a atenção do auditório: o vocativo. Esse vocativo pode ter um conteúdo mais afectivo, nomeadamente quando as mulheres mais velhas, como Isabel da Veiga, tratam os que pelejam por filhos, precedido, geralmente, da interjeição Ah, perfazendo constituintes como Ah filhos.


 

Cumulativamente, o vocativo pode ter um conteúdo mais belicista e mobilizador dos ânimos, quando, ao vocativo paternalista, se lhe segue um outro, como dissemos, de cunho guerreiro, como o faz Isabel Fernandes: Ah filhos, cavalleiros de Christo[45] ou, simplesmente, o vocativo ser constituído por este último constituinte.

Não é inócua esta referência a cavaleiros de Cristo, tanto mais se atendermos ao razoado que vem imediatamente a seguir, ocupado sempre por aquele que é tópico argumentativo mais importante da historiografia portuguesa, tanto medieval, como renascentista, o topos do bellum justum.[46] De facto, este tópico sanciona não só a justiça humana a exercer sobre inimigos quebrantadores de pactos e leis comummente firmados, como também legitima a justiça divina contra os inimigos da Fé, que procuram substituir, no Oriente, o nome de Cristo pelo de Mahoma. Enfim, reacendia-se no Oriente a atmosfera de cruzada, vivida na Europa e na Península medievais, contra o inimigo atávico de sempre: o Muçulmano. Para o enfrentar, foi pois necessário, com toda a assertividade, empregar a força militar:

 

Tal decisão acarretou profundas consequências ideológicas: a empresa adquiriu, assim, um cunho guerreiro, renovando a atmosfera das campanhas marroquinas do século XV. Era um ideal de guerra santa, uma como que nacionalização da ideia de cruzada despedida de coloração internacionalista que lhe conferia a sua relação com o conceito medieval de Respublica Christiana, porque colocada agora ao serviço da política expansionista de um Estado Nacional (…).

 

O reeencontro com os Muçulmanos no Índico não levou, porém, apenas ao avivar da atmosfera mental das campanhas marroquinas: levou, igualmente, à reprodução do modelo de organização da expansão no Norte de África, baseado na presença de um rosário de praças-fortes, ao longo da costa, em endémico estado de guerra o que, como em Marrocos, permitiu a perpetuação do predomínio político da nobreza militar, chamada a desempenhar um papel essencial na manutenção do sistema. A sua educação, no seio de uma estrutura familiar, assegurava, por sua vez, a transmissão dos valores guerreiros tradicionais, e, consequentemente, a ideologia belicista que enformava a empresa.[47]

Não surpreende, face ao exposto, que tanto no campo de batalha, como no recato do scriptorium, militares e historiadores agitassem, energicamente, o estandarte do bellum iustum, pois o Muçulmano era a um mesmo tempo, concorrente e inimigo do comércio das especiarias no Oriente, como também inimigo da Fé. E o imperium português fez-se sempre contra este pertinaz inimigo.[48]

Em face disto, o exército das matronas, disseminado por entre os soldados e cavalleiros que estavam accezos em furor, incitavam-nos a pelejar confiada e desabridamente contra os inimigos, pois têm do seu lado a ajuda de Deus:

 

Filhos, cavalleiros de Christo, pelejai por vossa fé, que Deos tendes, que vos ha de favorecer ajudando também a lançar sobre os inimigos os instrumentos de sua perdição.[49]

 

Numa outra ocasião, Isabel Fernandes, a boa velha Isabel Fernandes, que teve aquelle honrado sobrenome da velha de Dio, metendo-se no meio do conflito, apelando para o mesmo tópico na sua curta exortação: Ah filhos, pelejemos pela de Christo, e mostremos a estes inimigos della que temos Deos por nós que nos favorece.[50] Num outro episódio, marcado por uma cena típica, Ana Fernandes trouxe um retábulo de Nossa Senhora para o local onde se travava a batalha, exortando os homens a olharem para aquela imagem, asseverando que tinham o patrocínio tanto da Mãe como do Filho:

 

Ah! Senhores, olhai que Nossa Senhora vos vem aquy secorrer, e ajudar com seu bento filho, per quem vós pelejaes. Esforçay, filhos de Jesu Christo, que elle he comvosco![51]

 

Como observamos, na generalidade, estas curtas alocuções não vão além da menção breve de um tópico, quase sempre o do iustum. Por vezes, o tópico da justiça, sem que se anule completamente, a primazia a um outro, particularmente o da honra (honorable). Assim o faz Ana Fernandes, numa exortação que integra uma cena típica. Chegando-se junto dos defensores portugueses, descobriu-lhes um retábulo de Jesus Cristo e exortou-os a pelejarem esforçadamente, assim como, se necessário for, a morrer por Ele, que também padeceu por todos eles. Na verdade, acrescenta, aquele que morrer alcançará muita glória, do mesmo modo que aquele que viver, cobrir-se-á de honra diante do mundo. Mas Ana Fernandes não olvida as contrapartidas negativas da honra: aquele que for cobarde contará com a sua voz para apregoar a sua ignomínia:

 

 

e chegando aos que defendiam, descobrindoo, de hũa toalha, erguendoo bradou muy alto dizendo: «O cavaleyros Christãos, esta he a fegura, daquelle que sem nos ter nenhũa obrigaçam, mais que a da sua misericordia, quis padecer mais do que todos juntos, ay morrendo podereis sintir: pelejay e esforçadamte tendo a elle por ajudador, que o que morrer tem muy certa a gloria, e o que viver merecimento ante elle, e honrra ante ho mundo: que pera ho covardo eu soo abasto pera ho apregoar».[52]

 

Neste âmbito, merece ainda aqui destaque o arrojo da mulher turca que agora era portuguesa por casamento e por convicção. Vestindo-se com as roupas do marido e armando-se, foi-se ao lugar onde este pelejava, bradando-lhes com o tópico da possibilidade de vitória (possibile). Assim, declara, com a autoridade de quem nasceu turca, que os turcos afinal são uns fracos e que ela também ali estava para lidar com eles: Senhores, agora vereis pera quão pouco são estes perros; que eu sey quem elles são, que nacy antre elles, e aquy me veres com elles.[53]

Como vimos, estes breves discursos não apresentam grande profundidade argumentativa, até porque a exiguidade lhes coarcta essa possibilidade. A estrutura retórica destas alocuções não obedece a um esquema muito elaborado, adaptando-se essencialmente ao imediatismo e ao voluntarismo destas corajosas mulheres. Embora deixemos as conclusões mais para diante, é notória a intenção dos historiadores valorizarem o papel destas mulheres, retirando-as dos bastidores dos acontecimentos, para o palco da guerra, assumindo um estatuto de condutoras, ainda que por instantes, da diegese, da guerra. Ora, isso se faria amplamente através da pronunciação de um discurso directo, ponto alto do protagonismo das defensoras de Diu. Segundo as palavras do narrador/Diogo do Couto, as alocuções destas mulheres revelaram-se altamente mobilizadoras das vontades e dos ânimos dos que as ouviam, pelejando não com mais confiança, mas, mais extraordinariamente, com alegria. Assim sucede com a velha Isabel Fernandes: E assim todas as vezes que entrava nos baluartes, que a ouviam, assim se animavam todos tanto, que pelejavam com alegria, e sem receio.[54]

 

4.5.          Aemulatio

 

Os dez (10) discursos femininos das heroínas de Diu provêm de obras de três cronistas que partilham um traço comum experimentaram, por largos anos, a vida no Oriente.[55] Lopo de Sousa Coutinho viveu mesmo os acontecimentos que rodearam o primeiro cerco, contando-se mesmo como uma das mais insignes figuras militares do primeiro cerco. Também Leonardo Nunes, outro cronista que mencionámos e autor de uma Crónica de D. João de Castro, presenciou os feitos que relata. São dados importantes, pois as obras que produziram estão impregnadas do dramatismo próprio das testemunhas oculares. Ou seja, estes autores contactaram com os factos que narram e com os protagonistas que descrevem, conhecendo, portanto, muitos dos heróis dos seus relatos, em particular, as célebres mulheres de Diu. Interessa destacar as obras de Leonardo Nunes (cólofon de Goa de 1550) e de Lopo de Sousa, Livro primeiro do cerco de Diu que os turcos puseram à fortaleza de Diu (Coimbra, 1556), porque serviram de fonte a narrativas posteriores que vieram a tratar dos mesmos acontecimentos, como é o caso de Diogo do Couto.

Diogo do Couto foi o sucessor de João de Barros na feitura das Décadas da Ásia, cobrindo o período de 1526 a 1600. Cedo embarcou para a Índia onde serviu como soldado. Embora tendo regressado a Portugal, rapidamente voltou ao Oriente, onde passou a maior parte da sua vida. Foi entre 1591 e 93 que Couto lançou mão à empresa de continuar as Décadas iniciadas por Barros. Em 1598, acumulou o cargo de cronista e de guarda-mor da Torre do Tombo de Goa. A sua obra histórica revela que Couto detinha grandes conhecimentos sobre a história e a historiografia clássicas, o seu estilo histórico é marcado por uma constante aproximação à retórica, de tal maneira que é o autor português mais prolixo no recurso à arenga militar, com 60 discursos. Desses, sete são femininos. Para a elaboração da sua obra, utilizou materiais anteriores, nomeadamente da obra de Leonardo Nunes e de Gaspar Correia, de maneira que estes discursos são reelaborações posteriores de anteriores redacções.

Todos estes celebraram em prosa as proezas destas heroínas. Porém, elas viram definitivamente os seus feitos consagrados, quando o poeta Jerónimo Corte Real (1530-1588), o primeiro émulo de Camões, expressou em 145 decassílabos do seu Sucesso do segundo cerco de Diu (1574), a admiração colectiva de um povo! Dada a impossibilidade de os transcrever na totalidade, apresentamos aqui apenas a referida negligência confessada pelo poeta, se aqui as não cantasse:

 

Neste cerco seruiram e estiueram

Em todos os perigos e combates:

Soffrendo grandes fomes, e miserias,

Que a corações robustos, muitas vezes

Fazem desfalecer. E se eu deixasse

Sem memoria os louuores tam diuidos

Sendo o ceo testemunha de seus feitos,

Elle entam mostraria ao mundo todo

Com grande gloria e honrra, o que por culpa,

Ou negligencia minha se perdesse.[56]

 

 

 

4.6.          A arenga de Njai Tjili, rainha de Ternate

 

Deixámos para o final e em tratamento exclusivo a arenga da rainha de Ternate. Várias são as razões que determinaram essa opção. Em primeiro lugar, o facto de esta alocução não ser proferida durante um conflito militar, como as anteriores, mas sim antes de ele se iniciar, além de o auditório da mesma estar confinado, exclusivamente, aos principais daquela ilha do Pacífico. É, portanto, uma arenga de Tipo 1, ou seja, uma arenga dirigida a conselheiros e a comandos intermédios. Decorre daqui, a segunda justificação, a emissora-oradora não é uma das mulheres de Diu, sim uma rainha de um reino distante de Portugal como também de Diu. Ora, este facto é relevante, pois demonstra que os historiadores portugueses conferiram protagonismo e visibilidade a uma soberana que está do lado de da barricada, no terreno do adversário. Similarmente, também os historiadores romanos ter-se-ão admirado com Boudicca. Em face do apresentado, esta é também a arenga feminina mais extensa e retoricamente mais elaborada.

Ternate, Tidore, Maquiem, Bachão e Moutel[57] eram ilhas que no século XVI integravam o arquipélago do Maluco. Hoje estas ilhas e outras mais são conhecidas como as «Molucas», ainda que, segundo Thomaz,[58] seja preferível a forma «ilhas de Maluco», pois é o termo que melhor corresponde ao termo original malaio Maluku, para além de que os cronistas portugueses de quinhentos assim designam este conjunto de ilhas. Desde os inícios da segunda década do século XVI que os portugueses demandavam ao Maluco, região rica em cravo. Na ilha de Tidore, os portugueses construíram uma fortaleza, iniciada em 1522, projecto em que o rei local mostrou interesse. De facto, Portugal exerceu um protectorado sobre este território, mas a circunstância de aquele arquipélago estar muito afastado do poder central, quer de Lisboa, quer de Goa, potenciou diversas situações que deterioraram a convivência entre portugueses e autóctones, dissensões que culminaram na expulsão dos europeus em 1575.[59]

Justamente, a arenga de Njai Tjili, rainha (1521-1532) de Ternate, tem como móbil as ofensas praticadas pelos portugueses naquela ilha, infringindo, assim, as regras de hospitalidade de que tinham sido alvo. Njai Tjili, entre 1529 e 1533, liderou mesmo a contestação de Ternate contra o domínio português.[60] Assim, aproveitando as dissensões entre os portugueses e mesmo uma conjuração que se urdira entre os portugueses contra o seu capitão, Gonçalo Pereira, por este lhes ter proibido a única forma de subsistência na ilha: o comércio de cravo. Sendo pois a ocasião favorável para lançar uma ofensiva contra os forasteiros, a rainha juntou os principais da ilha e a todos proferiu uma arenga, tal como se no engarce inicial da mesma:

 

A raynha e os regedores ficarão muito contentes de verem aquellas divisões, porque esperavão de por ellas tornarem a cobrar a liberdade d’aquella ilha, e lançarem fora todos os Portugueses: e vendo que se lhe offerecia tamanha occasião, não a quiserão perder. E fazendo a raynha ajuntamento de todos os principaes da ilha, lhes fez a todos esta fala…[61]

 

Trata-se, como vê, de arenga preparatória de Tipo 1, dirigida aos dirigentes da ilha, antes de iniciarem o combate. Por esse motivo, é mais extensa do que as alocuções vistas das heroínas de Diu e denuncia a apropriação plena da técnicas retórico-compositivas da arenga militar por parte do seu autor, Diogo Couto. Couto é um nome maior da historiografia portuguesa de finais do século XVI e inícios do seguinte, homem de saber militar de experiências feito, a que associou uma erudição clássica proveniente das leituras de Arriano, Quinto Cúrcio, César, Tito Lívio, Séneca, entre outros, autores que cita com regularidade.

Assim, do ponto de vista da dispositio, o discurso da rainha de Ternate apresenta uma estrutura tripartida, a mais comum neste género discursivo. Assim, com a finalidade de delectare o auditório, no exordium, a oradora dirige-se aos principais, chamando-os não de amigos, mas também como filhos, (Bem vos lembra amigos meus a quem eu sempre amei como filhos…). na tractatio, a rainha desenvolve um raciocínio com a vista a docere os ternateses, para sacudirem hum tão duro e pezado jugo. Enquanto, na peroratio, a rainha procura movere os espíritos para a acção contra os hóspedes, de maneira a matarmolos a todos, recordando-lhes a ocasião favorável que a todos se oferecia. Ou seja, cumprem-se, nesta arenga, os três objectivos da retórica, delectate, docere e movere o auditório.

Do ponto de vista da argumentatio, a arenga assenta em duas linhas argumentativas, uma de tipo explicativo e outra de tipo exortativo, facto que demonstra que Diogo do Couto assimilou o modelo proposto por Tucídides,[62] que lhe chegou certamente pelos autores latinos acima referidos. Na componente instrutiva (didaché), mais extensa, a oradora centra a sua argumentação no topos da justiça da luta (iustum). Na verdade, Njai Tjili declara perante os seus que os portugueses, que o rei, seu marido, agasalhou de tal maneira bem os portugueses, com honras e fortalezas, que se desaveio com os reis vizinhos: (onde com honras e mimos os recebeo, e agasalhou, e deu fortaleza, perdendo por amor d’elles a amizade dos reys vesinhos e parentes). Ora, a verdade e que, prossegue a monarca, em agradecimento pela hospitalidade, os europeus desenvolveram uma série de crueldades contra a família real, quer contra a própria rainha, quer contra os filhos, matando um e encarcerando outro:

 

Mas elles em satisfação d’este hospício, gasalhados, mimos, e favores, fechando elrey meu marido os olhos, quiserão logo lançar mão de mim, que lhes escapei, andando muitos tempos por matos, e por brenhas, passando muitas miserias, e desventuras, tomandome meus filhos mininos com engano, e quando meu filho Bayano começava a entrar em idade pera tomar posse do reino, matarãomo com peçonha, e pode bem ser que se não acodir o fação a essoutro que tem na fortaleza, tão mal tratado, como se fora todo seu, e nos foramos os forasteiros, avexandonos sobre isto, fazendonos guerra, usando as crueldades que ha poucos dias vistes nos nossos proprios naturaes, deitandoos aos cães, como alimarias brutas.

 

A situação inverteu-se de tal maneira que, como fiz a rainha, os naturais parecem forasteiros na sua própria terra. Sobressai neste excerto, o patetismo descritivo ali bem vincado, não para impressionar os receptores intra-textuais, como também os leitores desta obra literária. Se estas atrocidades eram suficientes para se libertarem do jugo português, a rainha prossegue, desfiando, agora, o rol das malfeitorias feitas ao cerne de uma colectividade, a religião:

 

«Qualquer d’estas cousas era mũy bastante pera trabalharmos de sacodir de nossos pescoços, hum tão duro e pezado jugo: quanto mais tantas quantas pêra isso temos. E sobre tudo isto, o que he mais de sentir, a afronta que se fez a nossa religião, avexando nossos sacerdotes, desprezando nossos templos, e vituperando nossa ley».

 

A monarca traçou assim um cenário em que os ternateses têm justa causa para expulsarem os portugueses da sua pátria. Entramos, assim, na componente exortativa da alocução (paraínesis), marcada por um tom fortemente parenético, em que a oradora exorta os seus ouvintes a se livrarem dos portugueses. Para esse fim, fundamenta-se no topos do possibile, pois é ocasião de aproveitar os separatismos entre os portugueses e a fuga de alguns:

 

«E pois o tempo nos offerece tamanha occasião, como a que oje ha com a desavença dos Portugueses com seu capitão, lancemos mão d’ella, pois temos em nosso favor todos os Portugueses, e então a y nos fica depois matarmolos a todos…»

 

A rainha toca ainda o topos do utile, uma vez que, matando os invasores, alcançarão a almejada liberdade, tanto o rei, filho da rainha que se encontra preso, como a própria pátria: «e darmos liberdade ao vosso rey, e a vossa patria, e não consentir mais hospedes, que tão mal nos ãode pagar o gasalhado». Terminada a alocução, todos ali se lhe oferecerão pera dar a execução aquelle negocio, tratando logo ali o modo, e o dia, em que avia de ser.

Como podemos ver, esta arenga afasta-se completamente do tom apologético e epopeico sentido nas arengas das defensoras de Diu. Pelo contrário, perpassa por este discurso um tom crítico e censurador do comportamento dos portugueses no Oriente, que dificilmente encontramos em autores de meados do século como João de Barros, por exemplo. Antes de ter inserido esta alocução na narrativa, Diogo do Couto/narrador havia introduzido um severo comentário à conduta de alguns capitães das fortalezas, que, cumpridos os três anos, se vão a Portugal cobertos de ouro, deixando o estado depauperado e escandalizados os vizinhos:

 

E os capitães acabão os seus tres annos, e vãose pera Portugal cheios douro, deixando as fortalezas estragadas, e os vesinhos escandalizados com suas desordens, e tyrannias, e a terra de guerra, e sem provimentos, e os moradores com os trabalhos, e sem proveitos…

 

Um pouco mais adiante, declara que de todas essas perdas dará conta, posto que o tenha feito numa outra obra sua, o Soldado Prático:

 

Estas perdas e crecensas, nos algũa hora apontaremos, se nos cair a pello, posto que muito claramente o temos ja feito no nosso Dialogo do Soldado Pratico.

 

Tanto a arenga da rainha de Ternate como os comentários do narrador/Couto vêm-nos recordar que, do ponto de vista do conteúdo, a obra histórica é um opus oratorium maxime, tal como a definiu Cícero do De legibus (1.5.21), ou seja, a sua finalidade é pragmática,[63] é a defesa do estado. Por isso, quer directamente, através de comentários, quer de discursos, Couto/narrador não deixará de denunciar a corrupção que, tal como os Holandeses, ameaçava a ruína do Estado Português da Índia.

 

5.               Conclusão

 

Desde a Antiguidade até ao Renascimento, que a historiografia e a épica ocidentais foram concedendo um enfoque cada vez mais acentuado ao papel da mulher na sociedade, até mesmo em funções virilmente consideradas, como a guerra. Se Homero e Vergílio admiraram a força das Amazonas, Heródoto destacou a astúcia e a estratégia militares de rainhas que subjugaram a altivez de grandes generais, como o caso de Tómiris em relação a Ciro. No entanto, verdadeiramente, a mulher assume um papel militar e literário de primeira linha, quando os historiadores lhes concederam, não a função de estrategas militares, mas sobretudo a voz e a possibilidade de usarem o discurso de primeira pessoa, exortando, por exemplo, exércitos à guerra. Se virmos bem, tal atribuição demonstra uma alteração substancial nos paradigmas de género, mas também o papel emergente da retórica na historiografia. Veja-se, a este propósito, a importância retórica da arenga da rainha Philippa, em Froissart. Com aquela exortação, a rainha assume, por ausência do rei, não o cargo mais elevado da hierarquia político-militar, mas também o papel de heroína ao proferir não apenas uma arenga, mas uma epipólesis, que é o cume da máxima identificação da exortação com o herói.

Quando chegamos ao século XVI e, sob os influxos do Renascimento, dá-se uma renovação na arte de escrever a história, em que a obra histórica passou também a ser literária e um instrumento para ensinar e comover os leitores. Redescobriram-se os modelos históricos clássicos. Portugal, por instantes, sonhou ser uma nova Roma, não pelas extensões do seu império, mas também pela grandeza dos seus heróis. Ora, a obra histórica assumiu-se como o instrumento fundamental para conferir dimensão a essa gesta, não ao nível nacional, mas também internacional. Incessantemente, os historiadores brandiram o ideal da superação de tudo quanto a Musa antiga canta.

Se as comparações entre heróis e impérios, português e romano, estavam assumidas e literariamente consagradas, faltava, contudo, trazer para essa galeria também as mulheres. A oportunidade surgiu, quando um punhado de mulheres desempenhou um papel activo na defesa da praça de Diu. Assim, os historiadores chamaram-nas à vanguarda do heroísmo, cumprindo um cargo militar de primeiro plano, não ajudando à luta, mas animando também as tropas. Repara-se ainda que as exortações femininas proferidas são aquelas que mais contribuem para o êthos heróico das emissoras, como as que mais dramaticamente comovem os leitores, estamos a referir-nos às arengas pronunciadas durante os conflitos e às epipólesis, de origem homérica, como sabemos.

Esse desejo de emulação e de superação está bem vincado na épica de Jerónimo Corte Real. Se as matronas romanas eram famosas pelas suas riquezas e bela, estas, dramaticamente, trabalhavam, lutavam e padeciam, sempre com grande coração. Quem merecerá levar a palma? Repare-se na enárgeia da descrição dos trabalhos femininos:

 

Escreva Tito Liuio com palauras

Ornadas de artificio, engrandecendo

As illustres Romanas; encareça,

E levante até o ceo, seus feitos dignos

De perpetua memoria; va louuando

Com ellegante estillo, como dauam

As honradas matronas, e as donzellas

Bellisimas, e nobres, quantas joyas

(…); mas neste cerco

As mulheres seruião, e ajudavam

A reparar os muros com trabalho;

(…)

Andauam sem temor de morte, ou dano,´

Ajudando os soldados, e acodindo

Com cousas proueitosas aos feridos,

Os mortos enterrauam, aonde algũas

Ficauam maltratadas, das nociuas,

E voadoras setas; padecendo

Grauissimos trabalhos, com paciência

Com grande coraçam e alta bondade.[64]

 

 

 

 

 

 

LUÍS MIGUEL F. HENRIQUES

Escola Superior de Educação.

Portalegre (Portugal)

luduvicus.m@gmail.com

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

 

BIBLIOGRAFIA PRIMÁRIA

 

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[1] Tradução nossa.

[2] Tradução nossa.

[3] As Amazonas surgem na historiografia antiga como tendo existido algures na Ásia Menor, a sul do Mar Negro, ou mais a este, perto do Cáucaso.

[4] «[Ao falarmos] das Amazonas, é a polis grega, esse clube masculino, que está a ser definido pelos seus historiógrafos e os seus “etnógrafos” em termos de seu oposto» (KIRK 1987:30).

[5] Hom., Il., 3.189

[6] Hom., Il., 6.186

[7] Trad. nossa

[8] Trad. nossa.

[9] Verg., Aen., 1.491-495.

[10] Cf. AMARAL (1994: 19).

[11] Da realeza desta cidade, Heródoto (1.184-187) destaca as rainhas Semíramis e Nitócris, marcantes no planeamento defensivo da capital, orientado para a construção de obras gigantescas, profetizando o ataque de Ciro.

[12] Hdto., Hist., 1.214.4.

[13] Cf. AMARAL (1994: 28).

[14] Cf. AMARAL (1994: 38).

[15] Cf. CARMONA CENTENO et al. (2008:539).

[16] Cf. BULST (1964), CRAWFORD (2002).

[17] Cf. ADLER (2011: 119-162).

[18] Cf. CARMONA CENTENO (2008a: 64).

[19] Froissart, Chronicles..., Vol. I, Cap. CXXXVII.

[20] FRASER (1990) apresenta 17 mulheres que, desde a Antiguidade até ao século XX, lideraram exércitos, impérios e rebeliões, como Cleópatra, Tamara da Geórgia, Isabel de Espanha, Elisabeth I, Catarina, a Grande, Jinga Mbambi de Angola

[21] Cf. CARREIRAS (2004: 182)

[22] Cf. CARREIRAS (2004:182-3).

[23] Cf. CORREIA (1948:67).

[24] Leonardo Nunes, Crónica de D. João de Castro, p. 66.

[25] Damião de Góis, Prólogo da Crónica de Dom Ioam

[26] Cf. IGLESIAS ZOIDO (2008: 20).

[27] No âmbito da tese de doutoramento que estamos a preparar sobre a arenga militar na literatura portuguesa de quinhentos, constituímos um corpus cohortationum de 223 discursos, em línguas como o português, o latim e o castelhano

[28] Diogo do Couto, Década VI da Ásia, Liv. II, Cap. IV

[29] Diogo do Couto, Década VI da Ásia, Liv. II, Cap. X.

[30] Diogo do Couto, Década VI da Ásia, Liv. III, Cap. II.

[31] Gaspar Correia, Lendas da Índia, Tomo IV, Ano de 1538, Cap. XVIII.

[32] Diogo do Couto, Década V da Ásia, Liv. V, Cap. II.

[33] Gaspar Correia, Lendas da Índia, Tomo IV, Ano de 1538, Cap. XVIII.

[34] Cf. tipologia discursiva in CARMONA CENTENO et al. (2008)

[35] Cf. CARMONA CENTENO (2008a:367). Nas escolas gregas do Império Romano, manuais de retórica denominados Progymnasmata apresentavam o conceito de ekphrasis, discurso que se destinava a vivificar, diante dos olhos, um certo assunto. Identificavam Tucídides como um dos mestres no tratamento deste recurso retórico, que visava conferir eficácia (enárgeia) visual a um discurso, com o objectivo de envolver imagética e emocionalmente um leitor ou um ouvinte. Tucídides, com a descrição de alguns episódios e a pronunciação de certos discursos, logrou atingir esses efeitos sobre o auditório. A historiografia subsequente recorreu a esse expediente, do mesmo modo que, por imitação, e com objectivos análogos, também os historiadores portugueses exploraram a dramatismo de certas cenas para impressionarem os leitores. Sobre a evolução do conceito de ekphrasis, desde a Antiguidade aos nossos dias, cf. SOARES (2011).

[36] Diogo do Couto, Década VI da Ásia, Liv. II, Cap. X.

[37] Lopo de Sousa Coutinho, Livro Primeiro do cerco que os Turcos puseram à fortaleza de Diu, Liv. II, Cap. XVIII.

[38] Cf. CARMONA CENTENO (2008a:64).

[39] Diogo do Couto, Década VI da Ásia, Liv. II, Cap. V

[40] Diogo do Couto, Década VI da Ásia, Liv. II, Cap. X

[41] Cf. CARMONA CENTENO (2008b: 273-295).

[42] As designações dos estandartes passsaram pela aquila representava toda a legião, era transportado pelo aquilifer e fora introduzido por Mário. Na República, os signa, um para cada centúria, é o mais habitual nas cenas típicas e temos ainda os vexilla

[43] Diogo do Couto, Década V da Ásia, Liv. V, Cap. II

[44] Gaspar Correia, Lendas da Índia, Tomo IV, Ano de 1538, Cap. XVIII.

[45] Lopo de Sousa Coutinho, Livro Primeiro do cerco que os Turcos puseram à fortaleza de Diu, Liv. II, Cap. XVIII.

[46] Sobre a evolução e modelação do conceito do bellum iustum desde Aristóteles, passando pelos autores romanos e cristãos, até aos pensadores medievais como Santo Agostinho ou S. Tomás de Aquino, finalizando nos teorizadores quinhentistas como Vitória e Francisco Suaréz, veja-se FERREIRA (2009).

[47] THOMAZ (1998: 212).

[48] Sobre a fundamentação jurídica do imperium português como iustum cf. SALDANHA (2005).

[49] Diogo do Couto, Década VI da Ásia, Liv. II, Cap. IV.

[50] Diogo do Couto, Década VI da Ásia, Liv. II, Cap. X.

[51] Gaspar Correia, Lendas da Índia, Tomo IV, Ano de 1538, Cap. XVIII.

[52] Lopo de Sousa Coutinho, Livro Primeiro do cerco que os Turcos puseram à fortaleza de Diu, Liv. II, Cap. XVIII

[53] Gaspar Correia, Lendas da Índia, Tomo IV, Ano de 1538, Cap. XVIII.

[54] Diogo do Couto, Década VI da Ásia, Liv. II, Cap. V.

[55] Gaspar Correia (1495-1561); Lopo de Sousa Coutinho (1515-1577) e Diogo do Couto (1542-1616).

[56] Jerónimo Corte Real, Sucesso do segundo cerco de Diu, Canto IX.

[57] Cf. Diogo do Couto, Década IV da Ásia, Liv. VII, Cap. VIII

[58] Cf. THOMAZ (1998: 537).

[59] Cf. GARCÍA (2009: 207).

[60] Cf. CRUZ (1999: 329).

[61] Diogo do Couto, Década IV da Ásia, Liv. VIII, Cap. I.

[62] Cf. IGLESIAS ZOIDO (2008a: 231 e ss).

[63] Cf. SÁNCHEZ SALOR (2008: 128)

[64] Jerónimo Corte Real, Sucesso do segundo cerco de Diu, Canto IX.